sábado, 14 de julho de 2007

Por trás das cortinas

Atravessei finalmente a tal da barreira psicológica que separa Leste e Oeste ainda agora. Corri da Haia pra Praga, onde estive dois dias, e Cracóvia por mais dois. Localização atual: Bratislava.

Por aqui persistem os castelos e templos, com a importante diferença de que tenho um companheiro mais permanente, por um tempo, o Rafael Milaré, que voa de Ljubljana de volta pra Londres no dia 21.

O que o Leste tem além do Oeste é a perigosa sensação de que ainda podem acontecer coisas no mundo. Meu guia, verdíssimo quando fala de créditos de carbono e enterro de dejetos humanos, sabe diferenciar bem uma fantástica parte medieval preservada de uma triste parte comunista que ninguém teve pulso pra demolir. A gente gosta de história, mas muito bem diagramada, como diria aquele filho do Mário Prata.

Os highlights então são, em Praga, o Museu do Comunismo, e, ao lado da Cracóvia, Auschwitz.

O Museu do Comunismo é uma instituição privada, possuída ao lado do McDonald's de Praga e no mesmo prédio de um cassino, por um empresário americano desinteressado. O símbolo é uma bonequinha russa com dentes de monstro, e os textos e objetos tratam basicamente dos horrores da imposição do modo comunista de vida ao anteriormente feliz povo do Leste da Europa. Quando visitar os impositores do Norte, posso falar mais. Pausa.

Auschwitz, agora uma cidade dona de um nome em Polonês que quem quiser acha, é na parte que todos visitamos um enorme museu, do Estado polonês, sobre os horrores da imposição dos trabalhos forçados aos prisioneiros da Europa toda, coroada pela idéia de extermínio da raça judia (expressão conforme decisão do STF). Tudo bem o museu e os guias não pararem um segundo pra discutir a ideologia - muitas feridas abertas, e vai saber que tipo de gente ainda tem no mundo - mas vamos tentar distorcer um pouco os fatos a ver se assim enxergamos melhor.

Várias das cidades da Espanha e de Portugal, assim como Praga, têm um bairro judeu, isto é, histórico, do século XIII ou XVI ou XIX. Não é que eles quisessem muito viver juntos e amuralhados. O confinamento e a expulsão aconteceu várias vezes em vários países da Europa. Como mostrou o Al Pacino, na bela Florença e na bela Veneza a vida deles também não era uma maravilha. A novidade de Auschwitz não está no ódio, nem na crueldade dos guardas (que aparentemente não pertenciam à nossa espécie, mas eram um tipo de gente que nasceu malvada), nem na existência de trabalhos forçados (que queremos implementar nas nossas penitenciárias) para fazer girar uma economia de guerra.

A novidade de Auschwitz - é preciso dizer - é a linha de produção, a sociedade industrial. A aplicação das novas técnicas e da mais moderna tecnologia permitiu realizar, com muito mais eficiência, um trabalho no qual os governos de vários países europeus se empenharam por alguns séculos. Os escravos da raça negra (expressão pendendo decisão do STF) no nosso Império dos Trópicos tinham uma prerrogativa simples, que era a impossibilidade de a cana crescer mais rápido. Por outro lado, a Primeira Globalização dotou a Europa de uma fantástica rede de estradas de ferro, através da qual foi possível transportar para um pedacinho do Reich alguns milhões de pessoas em tempo recorde.

A união de uma tendência histórica com as novas técnicas, tradição e modernidade, permitiram o horror na escala Auschwitziana. Não sei quanto é absurdo dizer que os horrores do comunismo são simplesmente o outro lado da moeda da implementação da sociedade industrial em economias anteriormente agrárias.

Sei que não lembro de Londres ter um Museu das Fábricas da Primeira Revolução Industrial. E que os pavilhões do Carandiru foram removidos para dar lugar ao bonito Parque da Juventude, uma conquista do povo paulista.

2 comentários:

Julia disse...

Hahahaha, GG, você se supera!

Muito bom o post, a conquista do nosso Parque da Juventude, esperança pro futuro paulista...

Saudades da sua acidez...

Beijo

Anônimo disse...

muito bien! gostei, andei discutindo coisas a ver esses dias.

e viu que a gente não te esquece por aqui. tá ótimo o blogue.

beijos