quinta-feira, 31 de maio de 2007

72h (parte 2/3)

Bateram na minha porta várias vezes e então ouvi a voz do Stephen, 'Ronaldo, is it noon already?', e ele disse que tinha visto o sol lá fora e o jornal na tevê então devia ser meio dia, mas eu olhei meu iPod e eram sete da manhã, então falei isso pro Stephen que pediu desculpas e disse que nesse caso eu podia voltar a dormir, dormi mais um pouco e quando acordei já eram 11 e pouco, então saí e perguntei pelo Stephen mas a recepcionista e dona do lugar disse que ele tinha saído, e eu aproveitei pra tomar um banho e ficar pronto pra meio dia, mas quando desci ele não tinha voltado então peguei minhas malas e um livro e fiquei lendo. Logo depois ele voltou e perguntou se alguém tinha chegado e eu disse que não, e ficamos discutindo se devíamos deixar as malas no quarto e pagar a próxima noite ou não, mas a dona disse que tínhamos que decidir logo pra eles poderem arrumar as camas, e resolvemos que íamos esperar a Nora e seus amigos chegarem pra darmos a palavra final.

A Nora logo chegou sozinha e disse que os amigos tinham ido procurar o tripé da câmera que eles haviam perdido no mato, e sentou-se um pouco e os dois fumaram cigarros e então ela começou a contar essa história sobre como tinha sido dificil ficar sozinha com um casal na casa, e sobre as disputas internas femininas pela supremacia apesar de ela ser amiga do português desde criança e nunca ter rolado nada, e sobre como ficou mais fácil quando depois de três semanas e ela já estava enlouquecendo chegaram outras pessoas, e foi então que entendemos que toda a equipe eram os três e mais um carinha que entendia de filmes e havia chegado fazia pouco tempo, e que inclusive era por isso que ela chamava os amigos que estavam por perto pra estarem um pouco com eles. E também ela comentou sobre a falta de perspectiva deles e que eles queriam só fazer sucesso e ir pra MTV e não gostavam de ser políticos nas discussões então ela como estava sozinha ficava meio acuada mas estava bem desapontada com os jovens americanos que não ligam pro mundo e o Stephen lembrou que essas pessoas são filhos dos jovens de 68 e que era surpreendente que filhos de gente que trabalha em organizações de desenvolvimento fosse tão sem perspectiva, mas eu e a Nora discordamos e dissemos que essas organizações nem eram tão altruístas assim e que talvez até fosse por isso a desilusão, e a Nora disse que isso apesar de eles terem incorporado o meio ambiente e o auxílio e tal, e o Stephen disse que não era tanto incorporado quanto se apropriado e então os cigarros acabaram e achamos que era hora de almoçar.

Procuramos algum lugar pra comer e não havia como sentar fora como o Stephen queria em lugar nenhum, porque parece que há uma lei local que proíbe servir comida fora, de forma que tivemos que entrar e comer frango e porco dentro do restaurante, que estava um pouco abafado, mas a comida era ótima, e quando terminamos esperamos mas os outros não chegavam e decidimos ir telefonar. Eu e o Stephen rachamos a conta porque a Nora tinha perdido todo o dinheiro dela e a maquiagem numa sacolinha e não sabia onde, mas não parecia muito preocupada porque tinha um cartão. Meu cartão telefônico tinha sumido e tivemos que usar moedas, mas eles ainda não atendiam então a Nora disse que podíamos andar e eram apenas 15 minutos até a casa. Antes passamos no supermercado e a Nora sacou dinheiro e comprou umas cervejas, depois pediu pra eu guardar o troco e ser o banco dela até chegarmos na casa. Na saída ela pediu pra tomar a cerveja dela e contou uma história sobre como eles tinham visto um dia uma cobra gigante na estrada e ela estava quase morta, então eles a viram morrer e quando passou um camponês com um tridente pediram pra ele levantá-la e tiraram uma foto deles, depois pediram pra ele correr atrás da sua mulher com a cobra e os dois protagonizaram essa cena em que ela fugia e ficava batendo nele enquanto ele corria atrás dela com a cobra muito feliz. Depois decidiram levar a cobra pra casa e comê-la, mas quando abriram tinha uma outra cobra com três quartos do tamanho dela dentro dela, e eles cozinharam as duas e comeram, e a carne tem gosto de alguma coisa entre porco e frango, e em seguida estiraram os couros e puseram pra secar.


A viagem demorou bem mais que meia hora e eu estava bem impressionado com o passo do Stephen, que suava muito mas falava também e quase conseguia nos acompanhar. Passamos por uma ponte de pedra com cara antiga e a Nora disse que estávamos perto de um bar e o Stephen disse que então íamos parar lá, e pedimos umas cervejas e tivemos uma conversa fantástica sobre Portugal e a vila e ela contou essa história sobre a angolana que era odiada porque era a única negra da cidade e havia roubado o namorado da filha de uma família local importante, e falamos um pouco dessas histórias pequenas e o Stephen contou pra ela sobre como estávamos comentando que foi legal ela desabafar sobre a vida dela com o casal, e eu disse que foi mais excepcional ainda porque tínhamos estado com os três na noite anterior e parecia com uma peça de teatro na qual se vão descobrindo as coisas horríveis por baixo das aparências de normalidade e felicidade. Então a negra, que se chamava Val, passou, e a Nora cumprimentou ela com um Olá e ela era uma mulata bem clara e eu disse que estava imaginando uma negra mais escura, e tiramos umas fotos e fomos embora.

Andamos mais um pouco com o Stephen reclamando da distância e víamos vários velhinhos e velhinhas subindo ou descendo aquela estrada cercada por vinhedos, e eu perguntei se todos produziam vinho mas a Nora não sabia dizer, apenas que tinham roubado a destilaria da família do Gabe uns dias antes de eles chegarem. Chegamos à casa junto com o casal e tinha um outro cara que no começo achei estranho porque era um cara loiro meio sujo com um bigodinho fino e cabelo bagunçado mas penteado todo pra um lado, e eles disseram que o tripé estava exatamente onde eles tinham deixado e ninguém na vila mexia em nada.
Juntamos as coisas e a Nora colocou sua barriga postiça e fomos num carro filmar, e na casa de pedra havia uma mulher e duas senhoras que ficaram discutindo qual delas era a mais velha, e uma tinha certeza que já tinha feito 90 anos mas não sabia dizer em que ano tinha nascido, então eu contei isso pro Stephen e ele ficou me incitando a perguntar coisas pra elas, e descobrimos que elas sempre trabalharam nas vinhas até só dois anos atrás e se chamavam Carlota e Ricardina e a Carlota tinha filhos na América mas não sabia dizer onde e subia todos os dias a ladeira até sua antiga casa para cuidar da horta e tinha ido uma vez à França e só.


Então fizemos silêncio pra eles filmarem essas cenas no qual o Gabe achava a Nora no rio e a levava para a tia dele no filme, e o cara local que se chama Rubens e faz o estuprador no filme apareceu com um amigo porque não sabia se tinha cenas com ele mas não tinha, então eles ficaram assistindo só, e aí fomos embora pra casa, onde vimos e-mails e o Gabe, o Stephen e a Nour, que não se chamava Nora mas Nour e algum nome árabe, ficaram discutindo seus trabalhos de artistas plásticos e a Nour nos mostrou o filme com o qual ela tinha concorrido a Frenois que era sobre Jesus Cristo mas num ritmo meio videoclíptico.
Ficamos mais um pouco lá tomando cerveja e chá de hortelã porque todos na casa estavam meio resfriados principalmente a Katie, e então saímos pra jantar e eles disseram que íamos numa Pizza Hut e o Stephen ficou meio contrariado, então eles encontraram um iPod e ficamos o caminho todo ouvindo várias vezes The Rhythm of the Night, e quando chegamos não era uma Pizza Hut mas uma pizzaria chamada Fernando que servia uma pizza meio parecida com a brasileira, e pedimos umas diversas e um pouco de vinho e jogamos um jogo de cartas chamado Bullshit, e o Stephen ganhou e depois eu ganhei e aí comemos e a pizza estava muito boa e era gigante, e só eu e o Stephen comemos tudo e os demais guardaram pra outro dia a deles. Depois o casal e a Nour foram jogar pebolim e eu e o Stephen e o Daniel, que era a quarta pessoa, ficamos conversando um pouco sobre o que fazíamos. Dividimos a conta e voltamos e a Katie insistiu em tocar The Rhythm of the Night todo o caminho e eu fiquei convencendo o Daniel a ir pro Brasil mas não pra São Paulo a não ser que ele conheça alguém lá, e o Stephen queria ir pra um bar e a Nour ia conosco, mas chegando lá ela disse que estava cansada então eles deixaram nós dois no nosso hotel, e o Stephen tinha que pegar um ônibus até Lisboa pra pegar o vôo de volta no dia seguinte então nos despedimos, e o Gabe disse que dia 23 começava a exposição dos trabalhos dele em Lisboa e eu respondi que achava que ia estar em Lisboa nessa época e ele me disse pra com certeza ir visitá-lo.
Eu e o Stephen tocamos a campainha mas ninguém atendeu de novo, então tentamos abrir a porta e vimos que estava aberta e minha chave estava na recepção e o Stephen estava com a dele, mas queria tomar um vinho antes de dormir e não havia ninguém, e decidimos vasculhar a cozinha e achamos uma geladeira mas procuramos vários vinhos e só havia brancos e o Stephen queria um tinto, que eu apontei que devia estar em outro lugar por causa da temperatura, e ele concordou mas achou melhor pegarmos um branco do que invadirmos ainda mais o lugar, e ele tirou o abridor que sempre carregava e abriu o vinho. Logo depois a dona chegou e não se importou nada de termos aberto, e ainda estávamos no restaurante do hotel, e comentamos que éramos as únicas pessoas desde que tínhamos chegado e que os negócios deviam ir mal, e logo em seguide decidimos subir pro quarto.
No quarto falamos um pouco mais e o Stephen disse que estava reticente no começo porque não queria trazer pra conhecer a amiga dele com quem ele queria algo mais apesar de ela ter 22 anos um cara jovem, e que era a mesma coisa com o Márcio, mas que agora tinha ficado muito feliz de eu ter ido com ele, e logo depois disse que precisava pegar o ônibus das 8 e meia pra Lisboa então ia dormir. Perguntei se ele queria rachar as garrafas, e ele disse, 'You don't mind, do you?, unless you are travelling on a shoestring', e eu disse que não sabia o que era isso, e ele explicou que era com dinheiro contado, e eu disse que um pouco por causa do ano seguinte em Paris, mas que não era nada muito estrito, então ele desceu pra pagar a sua conta e voltou dizendo que a dona do lugar deu as garrafas em cortesia, e que isso era muito generoso, e eu disse que nem era essa a palavra, que nem tinha palavra pra um estabelecimento comercial que oferece coisas de graça pra quem não vai voltar, então nos despedimos e ele conferiu o endereço dele e disse pra eu escrever ou telefonar quando estiver em Paris e pegou metado do vinho que sobrou e foi embora. Liguei a tevê e fiquei assistindo a um stand-up comedy português até terminar a minha metade do vinho e então dormi.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

72h (parte 1/3)




Os poetas e convidados tinham acabado de voltar do almoço de encerramento enquanto eu me molhava por Coimbra e eu os encontrei no saguão do Astoria da cidade, que dizem que foi casa do Rei em alguma época, e o Stephen comprou garrafas de vinho e distribuiu, como ele costumava fazer. E então ficamos tomando e conversando sobre as últimas coisas do encontro porque o Chan, chinês, tinha que ir embora e também o poeta russo. Quando foram os que sobraram, que eram eu, o Stephen, o Jon, o Márcio-André e a Ana Raquel, mais a organizadora e o João e as meninas que a ajudavam, fomos todos comer num restaurante típico qualquer porque os que procuramos e que a organizadora conhecia estavam fechados. Então no fim o Stephen pagou toda a conta e fomos para outro lugar, onde nos sentamos e eles estavam discutindo o que fariam depois e que iriam para o Porto, e foi aí que fiquei sabendo que ia haver uma caravana para o Porto onde o Jon Morley ia fechar seu livro durante duas semanas, e disse que era uma pena que eu já tivesse ido para lá porque iria em seguida pra Galícia e seria uma boa subir pro Porto antes, e além do quê seria até mais barato pegar um avião de Lisboa pra Vigo depois. Mas então o Márcio disse que tinha um ticket e não ia usá-lo porque eles iriam de caravana e que por isso eu podia ficar com ele, e a princípio eu recusei mas depois a idéia foi se cristalizando cada vez mais na minha cabeça, em especial quando o Stephen disse que ia subir até quase a fronteira com a Espanha depois, para assistir à filmagem de uma amiga sua. Pirei na idéia de sair numa road trip com um remanescente da época das verdadeiras road trips, e que além disso mora em Paris, para onde eu vou agora, mas ele pareceu um tanto reticente e eu ainda não sabia o porquê, mas insisti um pouco e então ele disse que não haveria problema, mas que não sabia se havia lugar pra mim no hotel que a amiga dele tinha reservado pra ele, e disse também pra mim, 'But she's mine'.



Descobri logo em seguida que efetivamente havia lugar no carro da Ana Raquel, mas em vez de pedir pra ir junto na hora resolvi perguntar pra Francisca se ela não queria ir. A Francisca era da organização e tinha 19 anos e era de uma beleza renascentista dessas que não se nota logo no primeiro dia mas que vai se impondo aos poucos até que depois de algum tempo você quer simplesmente se ajoelhar quando ela faz alguma brincadeira infantil com as mãos ou canta sozinha. Mas eu ainda não estava sob esse efeito, só que todos os outros parece que sim e ficavam disputando a atenção dela e foi por isso que ela foi designada para levar os poetas pra casa à noite, porque ninguém mais no mundo conseguia concentrar a atenção deles depois de uma certa hora, mas ela parecia nova demais pra entender esse seu poder e ficava tentando fazer a coisa da forma errada e empurrando eles, de forma que caíam e até no outro dia ela e o Jon tinham se ralado inteiros em algum gramado por causa disso. Mas ela sempre dizia que tinha um namorado que morava na mesma aldeola, como ela mesma dizia, de onde ela vinha, e por isso todos os demais ficavam num misto de esperança e frustração que dava à coisa toda uma dinâmica de corte trovadoresca ou, e melhor dizendo, adoração religiosa, e eu apenas ficava olhando enquanto vários poetas disputavam a atenção da Francisca, e o Stephen chamava a ela de Francesca em italiano e ficava fazendo poeminhas com o nome Francesca, até que ela se cansasse e o mandasse parar.



Fomos para mais um bar no caminho do Astoria e foi então que notei que eram quase cinco da manhã e meu trem partia às onze e por isso fui embora e isso sem nem me despedir, o que causou sérios problemas porque eles me procuraram um bom tempo antes de decidir ir assistir ao nascer do sol na ponte e ir diretamente para o Porto.



Acordei no residencial Paris e logo abri a porta e perguntei à Donca que era a dona do lugar que horas eram e ela me disse que eram dez e trinta e cinco, e eu sabia que meu trem partia às onze por isso arrumei tudo o mais rápido que pude, paguei a Donca e fui para a estação bem a tempo de pegar o comboio de Coimbra A para Coimbra B, de onde fui direto para o Porto. Chegando lá acabei conversando uma meia hora com uma brasileira que encontrei por acaso na rodoviária pedindo informação, e ela se chamava Karen e era carioca e conhecia o Márcio-André, e eu peguei o telefone dela e disse que ligaria mas acabei depois não ligando, porque fui comer um prato típico chamado francesinha, depois numa casa de uso de internet e depois liguei para a Ana Raquel, que já estava no Porto e à beira do rio com os poetas. Fui até lá com minhas malas e encontrei todos bebendo alguma coisa sem terem dormido, e lá estava a Francisca que decidiu ir ao Porto mesmo tendo aulas no dia depois que nós a convencemos de que não podia perder a oportunidade.



Falei ao Márcio-André da Karen mas ele não conseguia se lembrar quem era, e então discutimos o que íamos fazer e o Stephen disse que ia no próprio dia à noite para Vidago, que nem constava no meu guia de viagem, e que eu podia ir no dia seguinte, mas eu queria era viajar junto com o Stephen então eu disse que iria naquele mesmo dia com ele. Chegaram as francesinhas deles e as comemos, e eu rachei uma com a Francisca apesar de ter acabado de comer outra porque ela disse que não conseguia comer sozinha, e o Jon pediu outra coisa porque não sabia que a francesinha levava carne, entãao a Ana Raquel comeu a dele, e depois o Jon e a Ana Raquel iam entrevistar o Stephen mas o Márcio-André não falava inglês bem e ficou um pouco entediado, então ele, eu e a Francisca fomos andar pelo Porto, e subimos várias escadas tentando cegar à catedral da Sé, até que terminamos num muro com um portão trancado, e o Márcio queria descer e dar a volta mas a Francisca decidiu que nós iríamos pular o muro e começou a subir nas pedras, e aí eu fui também e o Márcio ficou reclamando que tinha 30 anos e estava com objetos, mas aí logo depois subiu nas pedras e na grade e deu um salto incrível pro outro lado. Subimos mais um pouco e encontramos um arco medieval, e ficamos discutindo sobre quão fantástico era morar ali, logo de frente pra um arco medieval, e tiramos uma foto e fomos até a Sé, mas quando chegamos lá eu tinha esquecido meus óculos e desci correndo para pegá-los e encontrei com a moça que tirou a foto e ela estava indo levá-lo pra mim lá na Sé. Agradeci e quando voltei o Márcio e a Francisca ficaram me enchendo dizendo que a porta da Sé havia acabado de fechar e tínhamos perdido o interior por minha causa, e a Francisca estava preocupada com o horário do seu comboio pra Coimbra e eu disse que não havia problema porque eu sabia o caminho de volta e dava tempo de vermos outras coisas no Porto, e então levei os dois para ver a Estação São Bento e a Avenida dos Aliados onde está a estátua de Dom Pedro, e eles ficaram bastante impressionados com como a cidade é fantástica, e então eu disse que esse era apenas o centro turístico e onde morava uma classe média baixa e até gente pobre, e que os ricos moravam em outro lugar mais moderno porque Porto é o centro financeiro de Portugal e devia haver uma parte mais moderna.Voltamos correndo passando pelo Palácio da Bolsa e o Jon havia pago a conta eles estavam nos esperando para ir embora, e apenas pedi para o garoto que servia junto com a avó tirar umas fotos nossas e partimos. A Ana Raquel e o Stephen e a Francisca estavam com muita pressa, e eu os segui mas o Márcio e o Jon ficaram ou voltaram por algum motivo por isso quando chegamos ao carro estavam todos meio bravos, em especial o Stephen que estava muito nervoso com o horário do ônibus para Vidago.



Saímos correndo e fomos levar a Francisca ao trem, que era antes, e o Jon e Márcio ficaram insistindo para ela ficar mas ela tinha aula naquele dia e não podia de forma nenhuma porque já tinha perdido muitas aulas por causa do Encontro, e isso mesmo sendo que estava no primeiro período que a Ana Raquel tinha dito que não era muito importante. Despedimo-nos todos da Francisca, que tinha me dito que chorava como uma parvinha, foi assim que ela falou, em despedidas, mas que não chorou porque nem teve tempo, e o Stephen já estava nervoso com o horário do seu ônibus, então voamos de volta procurando a rodoviária. Mas a rodoviária ficava numa rua que se chamava Travessa Passos Manuel, e que não existia em nenhum dos mapas, e só eu que já conhecia o Porto sabia que isso queria dizer que ela é uma travessa da Rua Passos Manuel. Fomos até lá e o Stephen foi ficando cada vez mais nervoso, e quando chegamos a uma quadra de onde o mapa indicava a cidade estava toda em obras. Então eu sugeri que eu e o Stephen descêssemos mas a Ana Raquel queria nos levar até o lugar e começou a tentar dar a volta, mas o centro de Porto é cheio de ruas caóticas e com as obras não se chegava de forma nenhuma à rodoviária. Ela teve que aceitar minha sugestão e eu e o Stephen saímos correndo com as malas e o Stephen já tinha me dito que tinha 68 anos mas correu muito e ficava me dizendo, 'Ronaldo, ask these guys, Ronaldo, is it here, Ronaldo, that guy may know' e correndo, e então pegamos várias instruções mas chegamos num beco, e um homem nos disse que tínhamos de pegar o ônibus no Mercado do Bolhão e eu disse isso pro Stephen que ficou putíssimo e saímos correndo de novo, mas quando chegamos lá nos disseram que era mesmo lá onde tínhamos estado que se pegava o autocarro, e o Stephen com raiva, 'Ronaldo, these guys don't know their fuckin' city', e então uma senhora com o filho nos conduziu até o beco de volta e realmente havia uma placa escrito Rodonorte que não tínhamos visto, mas já tinham passado 15 minutos das 8 e o Stephen nem estava mais correndo. Quando chegamos descobrimos que nem mesmo havia um trem das 8, só sextas e domingos, e que o trem então era 9 e 20, e o Stephen ficou puto e aliviado ao mesmo tempo, então perguntei meio sem jeito se ele queria passagem de idoso e ele disse que era senior citizen, compramos as passagens e fomos tomar umas cervejas.



O Stephen estava com a camisa encharcada e foi se lavar um pouco, e ele tinha usado a mesma camisa roxa nos outros dias e só então percebi que nas malas dele não tinha nenhum espaço pra outras camisas, então ele não tinha outras como eu e o Márcio chegamos a cogitar e estava usando aquela realmente todos os dias. Tomamos cerveja e eu contei pra ele da minha situação de advogado e estudante em Paris e tal, mas ele continuava me chamando de Ronaldo e de vez em quando acho que de Arnaldo, e nesse momento não falei mais e decidi que assim que pudesse ia colocar minha camisa do Brasil pra entrar no personagem. Pagamos as cervejas e ele foi telefonar pra amiga dele em Vidago, e no bilhete dizia que era 23 horas que chegava o ônibus, e foi isso o que eu disse pra ele. Mas quando entramos o motorista nos explicou que na verdade era 23 horas em Vila Real, de onde íamos pegar outro ônibus pra Vidago, que chegaria às 23 e 50. O Stephen ficou bem puto porque não entendeu o sistema e eu nem falei nada, e até tentei ver se conseguia usar meu cartão de telefone num celular mas não era possível, e decidimos ligar de Vila Real.



Conversamos no ônibus e dormimos um pouco, e quando chegamos em Vila Real pedi pra telefonarmos e o motorista disse que o outro carro já estava saindo. Saímos do mesmo jeito e o Stephen telefonou enquanto eu fui no banheiro e quando o encontrei ele disse que ninguém tinha atendido mas ele tinha deixado um recado e queria uma cerveja, mas respondi que o motorista parecia apressado e realmente quando chegamos o ônibus já tinha começado a andar, e estava com nossas bagagens então saímos correndo e descobrimos que o motorista tinha tentado nos pegar na frente da rodoviária, mas o Stephen continuava meio puto e disse que estava assim porque não conhecia todas as pessoas que estavam no filme, só uma atriz, e que os outros podiam ficar putos e ela podia nem estar no carro pra nos buscar. Andamos mais um pouco em silêncio até que finalmente chegamos e era quase meia noite mesmo, e havia só umas senhoras esperando num carro e elas nos disseram que haviam acabado de ir embora dois homens esperando alguém, só que a motorista não sabia dizer se estavam nos procurando porque não tinha falado com eles. Ficamos procurando alguém ou um telefone ou algum lugar aberto, e a cidade parecia muito pequena mesmo mas encontramos um telefone e um lugar que estava fechando, e enquanto o Stephen telefonava eu fui saber se alguém tinha nos procurado ou se havia hotel na cidade. O lugar estava fechando e a mulhar que limpava me olhou um pouco desconfiada, mas o dono falou que podia nos vender umas cervejas.



O Stephen por sorte tinha conseguido falar com a sua amiga que se chamava parece que Nora, então ficamos esperando enquanto tomávamos e tocava uma música americana acho que do Coldplay, e o dono ficou por lá esperando os cascos, e comentei com o Stephen que isso devia ser algo muito importante para eles, e ele concordou e disse que era em consignação. No fim eu já tinha terminado a minha cerveja e o Stephen não, porque foi mijar já que não podia entrar no bar, e por isso o dono do bar disse para o Stephen que era pra deixar o casco escondido num canto, mas o Stephen virou a cerveja toda e devolveu, então o cara teve que voltar e deixar o outro casco no balcão. Fomos esperar na frente de uma pracinha e logo o carro chegou, com duas meninas e um cara, e o cara era português e tinha uma casa lá mas morava em Nova Iorque, e também a Nora amiga do Stephen, que era egípcia ou libanesa ou neozelanesa não ficou muito claro, e notei então que o Stephen usava critérios meio wildeanos pra escolher os amigos, e que eu tinha muito que conhecer esse cara em Paris. O Stephen logo me apresentou como Hector, mas eu disse, 'Geraldo', e vi que a outra menina era uma americana também bonita mas em seguida percebi que os dois eram um casal porque seguraram as mãos quando chegamos ao hotel. Os três tinham estado lá antes e tocado a campainha mas ninguém atendia, por isso estavam achando que podíamos ter que ficar num lugar mais caro, e como custava 50 euros o quarto eu disse que podíamos rachar um, mas o Stephen disse que roncava muito e eu não ia agüentar, e eu disse que por mim tudo bem mas resolvemos tentar de novo o hotel onde ele tinha reserva, e que a mulher tinha dito que custava 20 euros o quarto.



Tocamos a campainha umas duas vezes e então atendeu uma mulher, e entramos e o Stephen disse, 'Your job is to get her to sell a bottle of wine, Ronaldo'. Pedi e ela disse que vendia e fomos os cinco tomar vinho, e foi quando descobrimos que o tinto espumante é uma especialidade regional de Trás-os-Montes mas não é muito bom. Ficamos tomando de qualquer forma e tivemos conversas ótimas e o Stephen contou que um amigo dele o definia como The oldest teenager alive e isso o deixava muito orgulhoso, e também sobre a Francesca, que ele tinha ficado provocando o Encontro todo e que não era tão inocente quanto imaginávamos, e eu disse que tinha achado ela bem inocente, mas ele disse que não e contou uma história em que ela dizia, 'Dont't you realize that I, too, can be ironic?', e outra em que ele dizia, 'Your name is one to be whispered on the ear, Francesca, Francesca, Francesca', e ela, 'Stop, you can't say this to me, I'm only eighteen', mas ela tinha feito 19 durante o evento. Então descobri que os três são artistas, o português se chama Gabriel, a namorada dele Katie e todos são filhos de gente meio importante, e inclusive o pai do Gabriel é Presidente do Banco Mundial do Brasil mas ele é um artista, e estavam filmando há quase dois meses na cidade e era um filme em português sobre o aquecimento global no qual Vidago era a última vila do mundo.



A garrafa acabou e os três foram embora, e o Stephen disse, 'Geraldo, if you want we can share another bottle of wine, but even if you don't please get me one', e claro que eu quis e então subimos para o quarto e falamos um pouco sobre o trabalho dele como artista e sobre como ele era professor de literatura aposentado mas dava muitas palestras, e sobre a Francisca e sobre a Nora, e ele disse que não devia ter dito na mesa que era óbvio que eles três eram meninos ricos, e quando a garrafa terminou ele foi para o quarto dele e disse que no dia seguite os três iam nos pegar ao meio dia, então que eu devia estar pronto, e vimos que o café custava 2 e 50 e era só das 8 às 10, e decidimos que não íamos nos preocupar com o café e apenas acordar pra quando eles chegassem ao meio dia.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

O Encontro não terminou, só mudou de lugar




Foi mais o menos assim que aconteceu:

Eu estava nas minhas conjecturas sobre se ia ver os mosteiros centrais em Portugal ou se comprava uma bicicleta quando o Márcio-André, que já deu as caras por aqui, me informa que está vindo com o Jon passar ao menos um dia no Porto. Eu já tinha ido ao Porto, pensei, embora tenha deixado escapar a mais tradicional atividade local, que consiste em beber vários tipos de vinho à beira do Douro e ficar falando sobre como eles são diferente uns dos outros com palavras como 'amadeirado' e 'abacaxi'. A companhia era boa.

Mas duas circunstâncias foram decisivas: primeiro, o poeta carioca tinha uma passagem e ia perder a viagem, como alguém já disse, de forma que eu até voltaria de graça; mas, segundo, o motivo pelo qual ele não ia usar a passagem era que viria pra cá em caravana com a poeta portuguesa Ana Raquel Fernandes, que não tinha aparecido na nossa história.

Sobre ser de graça, claro que podem me reprovar e aposto que minha avó não ficaria muito orgulhosa dessa parte exceto pelo um pouquinho de ascetismo quase espiritual da coisa, mas a realidade é que aqui vivo, e mesmo procuro viver, como remediado mesmo. Note-se contudo a preposição que é meramente comparativa, já que, como quem faz pindura sabe bem, a classe das pessoas desprovidas de recursos é muito diferente da das pessoas que dispõem dos recursos, mas não desejam pagar a conta. Confundir as duas é gafe na certa.

Mesmo assim, consciente, tenho no viver na berlinda um certo prazer entre elevado e mesquinho. Ana Raquel, muito atenciosa, até chegou a me reprovar o estar comendo quase sempre uma única refeição por dia, dizendo que preciso comer ou não chego a Moscou. Ontem, por exemplo, meu café da manhã foi meio que um misto quente local (a €0,95) e o almojanta uma sopa de legumes de 1 euro, mais um pão por €0,30. Com uma vista de um jardinzinho fantástico (ao lado), mas de 1 euro. Depois acabamos comendo num lugarzinho, que como tudo por aqui lembra a crônica homônima do Veríssimo (acho que tá no Orgias), mas tenho ficado nessa. E ninguém no Encontro acreditava nos meus albergues de 10 e 15 euros, alguns com café da manhã.

Ou seja, vim, e com passagem, sem pagar os 20 euros. Mas o principal: descobri que o Stephen Rodefer (cliquem pra terem uma idéia do que está acontecendo), o cara da algibeira com garrafas e copos, está indo daqui pra algum lugar na fronteira com a Espanha, onde ele vai assistir gravarem um filme. Como o amigo Penin me forneceu valiosos contatos na Galiza (aka Galícia) e está meio que no meu schedule ir pra lá depois de amanhã, na hora me empolguei. [Aliás, acabo de skypear pro Abel.] De forma que ficamos hoje aqui ao menos eu, o Márcio-André, o Jon, o Stephen e a Ana Raquel (isso se hoje eles não conseguiram arrastar um dos portugueses, ou o chinês, ou o russo), provavelmente experimentando todas as dezenas de portos a 2 euros a garrafa que existem por aqui, à beira do Douro - e não que o Mondego não seja bonito, mas o Douro é pessoano. A comparar com o Tejo.

E amanhã ou depois entro num carro ou van com o último dos beats e minha viagem disneylândica vai virando uma road trip, porque se passar perto de ourense, que não só abriga a família do Penin como dizem que é o berço da minha, certeza que do set tomo um ônibus pra lá.

P.S. - O mundo me assusta: pedi informação pra uma menina na rodoviária do Porto e : (i) era viajante; (ii) era brasileira; e (iii) conhece o Márcio-André por e-mails. Peguei o contato, vamos ver. Em seguida comi uma francesinha, orgulho nacional aqui: é tipo um sanduíche de bife, lingüiça e presunto, só que à parmegiana. Como no caso das fish'n'chips, cujo sucesso entre os súditos da rainha mundo afora sempre me espanta, não se admira que o prato não seja sucesso internacional. Sou mais o bacalhau.

P.P.S. - Sei que uma das coisas no mundo que não controlo é quem se ofende com a palavra proferida, como falam os chineses. Mas os amigos lusitanos tenham em mente que nossa língua lá nos trópicos não é precisa como a de vocês aqui, e a leitura pode ser escorregadia; às vezes digo uma coisa querendo dizer outra. E o ofensivo na aparência pode muito bem ser invertido na essência - exceto que esta última não existe; percebem? Car je n'aime pas q' on lise mon livre à la legère, já dizia o cara do Pequeno Príncipe.


P.P.P.S. - Sinto que minha viagem terá uma curta escala na Holanda entre a península e zentereuropa...

Um pouco de Coimbra

Coimbra, em oposição ao Porto manuelino e barroco, é bem neoclássica, como em renascentista (Universidade levada para aquela cidade no século XVI), não como nos pastiches de concrejato paulistanos. Pra vocês verem:


o jardim da sereia


você não moraria aqui?




porque destruir patrimônio histórico é ficar repintando a Capela Sistina

Imagens de Braga

Mais algumas imagens de Braga. Vou importá-las grandes, pra quem quiser clicar e ver melhor; se o blogger for inteligente como deve ser, só vai demorar pra carregar se vocês quiserem ver a imagem grande. Me avisem se estiver muito lento na página principal.


pra Tássia (aqui até a accessorize tem estilo)


a madonna nas mãos dos paparazzi seiscentistas



Braga é uma festa

domingo, 27 de maio de 2007

Coimbra e o encontro internacional

Desisti de Guimarães, ao menos por ora, e vim pra Coimbra ver se aprendo alguma coisa. O que se passava é que aqui estava rolando o VI Encontro Internacional de Poetas, e a ana rüsche me passou a dica de um cara que se chama Márcio André e que estaria aqui no evento. Vim atrás, e revelou-se que: (i) a ana nem conhecia o sujeito, só por e-mail; (ii) o cara é poeta mesmo, como se diz por aí (ver adiante); e (iii) trata-se de um puta carioca gente-fina, que logo me colocou na roda, composta por ele, um inglês pirado, um distinto senhor americano-que-mora-em-Paris-e-anda-com-copos-e-garrafas-(halbvoll)-nos-bolsos, dois cabo-verdeanos, uma angolana, uma finlandesa - sendo todos os retrocitados poetas nos seus respectivos países - e umas meninas estudantes portuguesinhas tentando garantir que todos eles voltem vivos pras suas pátrias, tarefa que vai ficando progressivamente mais difícil conforme a noite se estende e os copos se enchem.

De forma que ontem assisti a uma performance de um português ferrado chamado Alberto Pimenta, depois rodamos uns bares e por pouco não acabamos numa balada coimbrense 'africana', cujo hit aparentemente era Atoladinha. Fomos salvos pelo inglês pirado, que se encontrava incapaz de se manter de pé - aqui é probido entrar na balada bêbado - e fizemos o percurso de volta pro hotel deles numa velocidade média de 10m/minuto. Fantástico!

Hoje, depois de 4h de sono e mais umas leituras, dispensei o almoço chique com discursos, encontro eles mais à noite, e rodei a cidade acompanhado da alemã Andrea, que vai começar o doutorado em química aqui. Conheci do nada, e tô ficando tão bom nisso que ontem fui jantar num lugar recomendado pelo Lonely Planet e terminei conversando sobre a sociedade portuguesa com um médico coimbrense chamado Vasco, especializado em medicina da família.
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O idioma é uma coisa à parte. Óbvio que eu fico tentando mimetizar o sotaque português quando falo com eles, e óbvio que com taxas de sucesso negligenciáveis. Em especial porque ficar falando com o maxilar pra frente cansa depois de uns dois minutos, e o sotaque então vai fading back de volta pro paulistês, com passagens tipo rolar os 'rr' e usar palavras engraçadas, que nunca sei quais pode ('parvoíce') e quais não pode ('rapariga') usar.
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Nas mesas internacionais, reina o novo sabir, que consiste basicamente, aqui, num português misturado com inglês e contribuições importantes de espanhol, francês, alemão e sueco - sendo que claro que dificilmente uma frase vai ser compreendida por todas as pessoas que estão numa mesma mesa, mas vamos nos entendendo. Até porque é impressionante o quanto o holandês, por exemplo, após umas cervejas se transforma numa mera mistura de inglês com alemão, perfeitamente compreensível, na essência, até pra quem não fala inglês nem alemão.
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Anoto que conversar com os portugueses é bem engraçado: aqui é como a São Francisco quando tem visitantes gringos ou escolas, só que o tempo todo; ou seja, de uma certa forma, é como se os locais e estudantes morassem na Disney, sendo que eles são parte da atração, e a boina é o equivalente local das orelhas do Mickey. A boina praticamente faz o Manuel - mas, depois de algum treino, eles são perfeitamente reconhecíveis sem elas. Eu mesmo estou quase comprando uma.
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Próximo passo: ver se consigo contato com o amigo Felipe Sentelhas, da SanFran, caso em que fico mais um tempo aqui. Se não, acho que é acordar amanhã, ver mais umas coisas que faltam e partir pro próximo passo - penso que os mosteiros, ao sul, de Batalha e Alcabaça. Depois disso não sei. Ou volto pro norte (Guimarães, como planejado, Vila Nova Real, como me falaram, ou até de volta pro Porto, onde estará o suprareferido inglês pirado, fechando seu novo livro à beira do Douro); ou deixo o inglês pirado, e vamos chamá-lo de Jon, caso ele apareça de novo na nossa história, pra visitar em Coventry e sigo até Lisboa, ver se pego um desses low fare pra A Coruña, que pode sair até mais barato que o trem.
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Mas pode ser também que nada disso.
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Márcio André (que desde já recomendo, pelas qualidades literárias, sociais e etílicas):
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Os Ornamentos
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e o homem foi arrancado da casca da árvore
e acrescido de dentes e olhos
e foi trançado dia e dotado de ouvido
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e ouviu:
o trigo roçando o éter de Galileu
os pés descalços
a grama úmida de hortelã -
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e ouviu:
..........a pele inviolável
..........de seu corpo inviolável
[germinar lagartas nos arremedos de vértebra]
..........flanco e dorso
..........das carcaças de pachiderme
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um hipopótamo sonhando entre os girassóis

sábado, 26 de maio de 2007

Um pouco mais do Porto

O Douro visto de cima.






Azulejos pra todo lado















Dom Pedro, um imperador globalizado.



A verdadeira fonte do Douro só se vê ao ir embora.

Braga






Melhor compra já feita até agora: o guia Lonely Planet sugerido pelo amigo Cadu. Confesso que resisti bastante a mudar do Guia Visual da Folha com o qual já tinha me acostumado e tudo o mais, mas a escolha (e minha pequena rebeldia - comprei Portugal em vez de Europa) não podia ter sido melhor.


Descobri que não só Braga é onde está a Universidade do Minho, e onde fica a Jéssica-do-trem, mas também que é uma cidade turística razoavelmente importante. Na falta de um acesso à internet melhor, deixo só as fotos da Universidade, naqueles prédios construídos em séries de camadas arquitetônicas medievais que várias Ivy Leagues dariam sua Law School pra ter.







Além disso, depois de pegar um comboio (aka trem, ônibus é autocarro) do Porto, por E2, consegui em 24h fazer o máximo da cidade. Estou num pensionato religioso (E15, com café) fantástico, do qual só não deixo fotos porque fui expressamente proibido pelas irmãs. Único defeito: toque de recolher à meia noite - e não queira descobrir o resultado de desobedecer. Por conta do guia, fui também, logo de cara, a um restaurante escondido que a preços de centro (E4,5) me serviu o maior, e talvez melhor, bacalhau da vida. A curiosidade fica por conta da estranheza que causou o hábito de comer pão com azeite; quando pedi, o garçom me olhou como se eu tivesse falado que ia misturar o azeite no suco.





A viagem está ficando também mais internacional. Já dividi mesa com holandeses e ingleses, e ontem acabei por influência da Jéssica (primeiro segurando o bolo e depois comigo e com a polonesa Marta - ou Martya, ou Martja, ou uma quarta coisa nada a ver com nada disso - num momento zuzo bem) no aniversário de uma polonesa ('Gosha', aparentemente), com direito a porutgueses, turcos e romenos. No meio tempo, passei na Catedral Municipal e tirei fotos pra vocês. Aqui foi (momento cultural) um assentamento romano chamado Bracara Augusta, e, depois do século XI, o centro religioso de toda a península ibérica durante muito tempo, com o arcebispo mandando e desmandando no reino. De forma que a Sé local é também a catedral mais antiga de Portugal, e por isso uma das mais interessantes, estilo românico com arcos em semicírculo e tal. Claro que em seguida foi recoberta de massinhas, no estilo manuelino e depois barroco. Ok, vou parar de falar disso, wikipedia todo mundo tem.


Voltando pras amenidades, encontrei aqui ruas cheias de lojas de moda, com vendedores e vendedoras saídos de algum catálogo da Daslu, coisa que no Porto não havia. Inclusive, ou as pessoas ainda não acreditam muito que esquentou (e à noite realmente esfria) ou há algum pudor especial em cobrir o corpo - sou a única pessoa de bermuda nas ruas.

A próxima parada é Guimarães, autoproclamada berço de Portugal, já que não tive resposta do cara do Encontro Internacional de Poetas de que a ana falou, a realizar-se as we speak em Coimbra. Mas sempre posso acabar mudando de idéia, afinal o encontro é só até domingo e Guimarães fica aí por um tempo ainda. Aviso vocês.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

A Ouro Preto de cá

Azulejos são o orgulho municipal...

O Residencial Reis fica do lado dessa flecha.
Amigos de viagem.

A Sé de 4 ângulos



Chegada ao Porto


Cheguei ontem ao Porto, Portugal. Um vôo tranqüilo e uma escala no aeroporto internacional de Madri, tão iluminado e colorido que dá a impressão de um filme sobre a moderna Tóquio, exceto que, talvez para impressionar os turistas, o lugar é gigantesco e perdi a conta de por quantas esteiras rolantes e elevadores passei, fora o metrô interno que serve exclusivamente o aeroporto. Desci então no Porto, primeira escala de uma viagem de paradas incertas onde só sei do início e do final - e não como uma homenagem ao Machado, mas principalmente em razão de as passagens, compradas com milhas, já terem sido emitidas. A volta é de Moscou, em 9 de agosto, e pronto.

Sobre o Porto propriamente dito, aviso a quem poderia estar com idéias de vir até aqui em busca de uma viagem no tempo, do encontro perdido com um passado mítico todo ele português, que nesse aspecto é tudo muito parecido com Ouro Preto, sendo bastante mais caro e incômodo atravessar o Atlântico. É que aparentemente entre os séculos XVI e XVIII era incontrolável o impulso português de construir igrejas e mais igrejas onde quer que se encontrasse um local um pouco mais íngreme; como acabei comprando uma máquina fotográfica, vocês podem ver umas primeiras amostras da paisagem ouropretana, ou portense, das margens do Douro.

Estou hospedado no 'Residencial Reis'. Residenciais são os albergues locais, todos verticais e sem aquela tradição dos albergues mais ao norte (ou muito mais ao sul, na Oceania) de ter quartos para 8 ou 10 pessoas que nunca se viram na vida. Pago 20 euros a noite, e subo algo como 4 lances de escada sempre que quero chegar lá, mas o lado bom é ter uma cama, móveis e um banheiro exclusivos. Vamos ver se consigo piorar essas condições ao longo da viagem.

O lado ruim é que não faço amigos de quarto. Aliás, durante o dia a impressão que se tem por aqui é de que 80% da população é terceira idade, de tanto turista sexagenário rodando no centro. De forma que meus amigos de viagem até agora são 3 brasileiros: uma catarinense que encontrei no metrô e estuda em Braga, e que devo visitar em breve; e um casal de irmãos vindo do Caminho de Santiago e originário de Campinas, que provavelmente conheço orkutianamente em 2 lances. Devo ir degustar vinho do Porto com eles logo que terminar aqui.

Os portugueses em si e europeus em geral são mais frios também, como se sabe. Se incomodam bastante se você tenta esticar uma conversa além do necessário, e têm o sentido do trabalho muito enraizado quando estão trabalhando. Inclusive, já levei duas vezes 'Eu não deixo' de funcionários, frase que, construída assim, com sujeito e verbo, é muito estranha de ouvir. Primeiro, da faxineira do banheiro do McDonald's, que eu queria usar (o banheiro, não a faxineira) após o horário de fechamento; e, segundo, do vigia de uma torre, que não me deixou subir porque vinha chegando o horário de almoço e não ia dar tempo de fazer a visita. Quem está acostumado com subserviência total ou, no mínimo, uma desculpa sorridente, estranha. Mas aqui é tudo regulado pelos relógios - melhor não precisar de nada entre as 12h30 e as 14h00, porque a loja, não importa muito do quê, vai estar fechada. Inclusive se for ponto turístico.

A única classe de portugueses amigáveis é a dos Homens Sentados no Bar. Ia dizer Velhos, mas na verdade a classe compreende toda uma faixa de casados dos 30 aos 80 (as mulheres ou ficam em casa ou estão trabalhando, e nenhuma das duas opções é muito politicamente correta) que passam as tardes nas caves batendo papo, um pouco como no Brasil exceto que: (i) o vinho disputa com a cerveja na preferência regional; e (ii) todos eles parecem ter se vestido e preparado pra aparecer como figurante português em alguma novela. Gostei bastante deles, como em geral gostei da vida não-turística da cidade. Gente morando em casas de 300 anos, prédios medievais com roupa pendurada e até paredes do século XVI com grafite bem-feito (ok, isso deve ser pouco popular; vou tentar fotografar) - toda essa vida que parece rir um pouco dessa legião flutuante de senhores e senhoras trajados como turistas andando pra lá e pra cá nas ruas.

Rindo, mas parece que não explorando. É curioso, mas os preços variam muito pouco entre os restaurantes nos rincões e os guarda-sóis à beira do Douro. Inclusive as coisas por aqui são bem baratas, nada daquela coisa de ser o mesmo preço do Brasil, só que em euro. Um sanduíche típico custa entre €1 e €2, um prato uns €3.50, um copo de Porto coisa de €1.50 e uma camiseta €5. Industrializados em geral são baratos comparados com o 'custo-sobrevivência', digamos assim, e isso também nos estranha. Mas ouvi também que Portugal é o país mais barato da Europa ocidental.
Ainda bem que vou parar nos Pireneus.
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São umas primeiras impressões transatlânticas. Vamos ver se daqui esquenta.