segunda-feira, 30 de julho de 2007

Tentando responder pro pessoal aí de baixo, os últimos dois dias foram assim:
Saí da cosmopolita e européia-wannabe Istambul (concorre com Gradada pra ser capital cultural do continente em 2010, o que diz algumas coisas sobre o que ocorre por aqui) pra sondar impérios antigos na costa asiática dormindo nos autobuses. Esse primeiro objetivo foi só parcialmente cumprido, porque aqui o conceito de busão noturno inclui músicas pop turcas, luzes acesas e, quando menos se espera, um mp3 giganteco com piadas em turco.
De forma que cheguei pregado a Çanakkale, tomei qualquer coisa com cafeína, rodei a cidade e entrei no primeiro grupo de turistas pra Truva (Tróia), como está aí embaixo. Depois de ouvir a guia falar umas muitas bobagens e passar reto em várias partes, decidi que não ia cometer o mesmo erro no próximo império. Então voltando de Tróia já embarquei pra tal Izmir, onde não só tinha a Elif, do meu Master, como podia ser que encontrasse a Jéssica. Acabou que nem uma nem outra, e meu companheiro foi o Maarten, de Utrecht (terceira pessoa de Utrecht na viagem, deve ser uma São Paulo), Holanda. Saímos pra procurar albergue e descobrimos um negócio no fim interessante.
A cultura backpacker, gente jovem reunida rodando o mundo, na verdade é 100% européia. Botou o pé noutro continente (escolhe aí qual), esquece. Os guias falam que é perigoso pra mulher, as minas não chegam pra cá, os caras tampouco, e quando menos espera você não só é o único turista no busão como é a única pessoa a falar alguma língua ocidental. Ou seja, muito Brasil, Roberto Carlos, Texecur Edêrim, Lütven e mímica.
Pelo mesmo motivo, acomodação barata na Europa é albergue com a galerinha legal, where are you from, cool, it's sooo nice; acomodação barata noutras plagas é ficar com o povo do lugar mesmo e provavelmente num labirinto de gente, robes coloridos, burcas e narguilês, uma experiência que só melhora quando você perde seus óculos de noite em algum lugar no Estreito de Dardanelos.
Acordamos e eu e o Maarten fomos explorar Izmir, que é assim assim feito o Rio de Janeiro em 2020, quando a água tiver tapado Ipanema e tiver um grande muro com um porto no lugar. Com direito a pracinha romana e tal, mas na falta da Elif e com a Jéssica indo pruma praia qualquer, eu queria mesmo era ver a tal Efes. Peguei o autobus do meio dia.
Assustadora a cidade. Sempre que você achava que eles meio chutam como viviam os romanos, assim como você achava e de vez em quando ainda acha que eles chutam várias coisas sobre o que os escritores escrevem e nem a pau que eles pensaram naquilo tudo (como se escrever um livro fosse coisa assim, feito escrever um blog, que as palavras vão entrando sem a gente se importar e escapam coisas obscuras demais), bem se você tem alguma dúvida precisa ver isso. Não são umas ruinazinhas de ágora como tem por aí, é tipo assim uma cidade inteira, rua principal, rua secundária, estádio grande pro povão, estádio pequeno pros políticos fazerem escaramuça, a fachada de uma biblioteca intacta, várias estátuas e casas incluindo propriedade horizontal, pichação mandando mijar noutro lugar, enfim, só faltou um tio de toga tomando vinho com mel e falando latim (acho que isso só em Pompéia).
(outro comentário: aqui, como na Bulgária, tem muito pouca guarda nos lugares turísticos. Se isso é ideal pra quem quer olhar as coisas direito, por exemplo ir em todos aqueles lugares onde não deixam a gente ir só porque tem risco de morte e fazem uma passarela isolando você-turista e o lugar-monumento, por um outro lado existe muita gente idiota no mundo, por exemplo montando numa estátua de 3 mil anos pra tirar foto ou escrevendo o nome na coluna com uma pedra - e, na falta de lei marcial pra essa gente, não sobra muito o que fazer, acho que esse é o dilema do mundo)
(segundo: a principal diferença por assim dizer oriental na Turquia é a falta da bolha, quer dizer, aquela coisa européia do espaço vital; todo mundo invade o onde-começa-o-direito-do-outro o tempo todo, comerciantes e etc., mas também no tratamento geral, falta a tal polidez inglesa. No Brasil não sei dizer, a bolha existe nos clubs dos jardins, já na rodoviária sei não.)
(terceiro: uma boa forma de evitar os turistas fazerem gracinhas com os guardas-estátua: ponha uma metralhadora na mão de cada um; não precisa nem estar carregada)
De Ephesus, saí correndo pra mergulhar no Egeu pelo menos uma vez, salgar a bunda como fala o Rafa, e dei sorte de encontrar um casal legal pra me dar carona senão tinha perdido o busão da volta. Mas como diz o Danilo, meu anjo é forte e isso apesar de mim.
Fotos depois, que tem fila aqui. Mapa só no fim da viagem, ora, se nem eu sei! E se eu falar pra onde vou agora vocês não vão acreditar...

sábado, 28 de julho de 2007

Ílion de altas muralhas

O novo Cavalo de Tróia, agora feito para os turistas
Eu e as muralhas, não as de Tróia VI mas umas bem melhores.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Capítulos

Ah, sim, importante. Eu podia, como dizia o Rafa, ficar panguando por aqui por Istambul até voar barato pra Riga no dia 31, mas resolvi ousar um pouco, até pra padrones mochileiros: vou tentar dormir 3 noites nos autobuses da Turquia, que ainda no conozco. Daqui pra uma cidade com nome estranhíssimo de onde se parte pra ver as ruínas onde o Brad Pitt esteve pra filmar Troy, e depois pra Izmir, de onde se pode ir pras ruínas da romaníssima Ephesus (no sé nem o nome em Turco), e de volta pra cá no nitbus do dia 29/30. Se eu estiver de volta, aviso ustedes.

P.S. - Metade das frescuras acima é porque acento neste teclado é complicado, e lembro solamente do a, e e i agudos. Ok?

No oriente

Enquanto aviones caem, ministros sobem e preparam a FLAP do Rio por aí, por aqui várias coisas interessantes:

(i) primeiro, depois que o Roberto Carlos resolveu jogar na Turquia, qualquer um com uma camisa do Brasil é rei aqui;

(ii) depois, eu que tava até me questionando sobre meu francês e com idéias de encontrar minha futura companheira de Master Elif, que mora em Izmir, acabei me deparando com dois mochileiros franceses, que chamaremos caricaturalmente de Marc e Valentin, e viramos companheiros de viagem temporários, com planos de encontrar um deles em Paris, o Val, em breve; e

(iii) essa cidade é alucinante. Encontrei até a Jéssica, primeira amiga de viagem, lá do Porto, na rodoviária, assim como quem não quer nada; depois reclamam da falta de unidade. Descobri inclusive com um americano que viaja o mundo há dois anos que é possível encontrar um cara em Bangladesh e, um ano depois, no meio do Panamá. Também me perguntou se há alguma conspiração nossa em curso já que todos os viajantes brasileiros parecem ser de São Paulo. Como sempre, não é conspiração, não, é apenas o ruído desagradável das engrenagens do mundo.




P.S. - O Grande Continente ainda é uma promessa malfeita. Aqui, atravessando a Grande Ponte, se chega de novo na Europa. Pra pensar. Ou não.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Esperam os Bárbaros

Atualização rápida, antes que eu decida mudar de continente:

Em Viena além das preciosas dicas da Carol Marossi, minha guia foi a eslovaca Zuzana, que conhecemos em/na Bratislava e que estuda psicologia na capital habsburga. Rodamos a cidade com o Donau e a Stadtoper e as pessoas fantasiadas de século XVIII oferecendo cultura na forma de concertos de Mozart, Haydn ou Strauss. Não caímos nessa e de caro mesmo nessa cidade fiquei foi com a torta Sacher indicada pela Carol no Hotel Sacher. A Zuzana disse que dessa torta a única coisa que ela sabia era que era doce demais. Muito boa, mas bingo.

De Viena um rasante pra Sofia, Bulgária, que me impressionou pela falta de coisas, depois que tive umas várias indicações de a cidade ser maravilhosa e etc. Tem realmente uns prédios que valem a pena ver, se você estiver por acaso numa conferência na cidade e tal. Agora, perto de outros lugares por aqui, sei não. Aqui de onde escrevo, Veliko Tarnovo, vale bem mais.

E agora preciso pegar meu carimbo de saída da UE e passar pro perigoso mundo dos países que tememos porque não conhecemos direito. Até lá.

sábado, 21 de julho de 2007

Primeira conversa em alemão

(que esqueci de contar, foi há uma semana mais ou menos na Bahnhof de Düsseldorf, enquanto fugia do ocidente da Haia pro Leste, Praga, cruzando a Alemanha no processo; estou em Viena e tendo várias experiencias semelhantes)

Eu - Verzeigung, kennen Sie mir helfen? Ich möchte nach Praha fahren.

Alemão - (alemão, alemão,...)

Eu - Wo müß ich gehen?

Alemão - (aponta para a placa parede e alemão, alemão, alemão...)

Eu - Aber wo is Praha hier?

Alemão - (alemão, alemão) Siebzehn, (alemão, alemão, alemão, aponta) nexter.

Eu - (olho para a plataforma 17, pra onde ele está apontando) Vielen Danke.

Estar em dois

A viagem aqui não ficou tão parada como dou a impressão pelo silêncio, e a maior mudança como eu ia dizendo foi ter percorrido este lado da cortina com o Rafael Milaré, ou seja, num mochilão mais comum e em terras menos estrangeiras do que a Babel européia vinha me retirando. Não é que faltem conversas pra comentar, como a de ontem com um belga flamengo, impressionado como nosotros com a falta da tão alardeada pobreza na região - a crer na propaganda destruida menos por uma guerra e mais pelos 45 anos da pior arquitetura (omitimos o que a liberdade de construir fez com o progresso de São Paulo). Mas agora tudo mudou, porque alem de educacão, saúde e infra-estrutura, aqui se consegue ate Coca-Cola Zero e Beyoncé, enquanto nosso sonho de percorrer a estrada certa no sentido inverso deu menos certo do que o vendedor anunciava.

O que parou nesta página foi porque aquelas horas passadas fazendo manutencão acabam ocupadas por conversas outras e talvez até mais sinceras do que aquilo que se escreve pra um público tao sinuoso e com tantas amarras pregadas quanto vocês involuntariamente já que, como eu ia dizendo pra uma amiga outro dia, o primeiro que superar o Ego nao vai se dar ao trabalho de nos escrever do além, ou seja, permanecemos assustadoramente sozinhos.

Com o Milaré por aqui então a viagem adquiriu uma cara mais digamos sal-sol-sul, e na nossa bolha de mergulhos no Adriático so somos interrompidos pelos ventos esparsos que insistem em nos atingir desde Congonhas ou Brasília - que por nós a Copa América era tudo que saberíamos de nossas palmeiras por esses nossos dias. De resto, apenas fotografar os arcos do triunfo esquecidos de Brecht.

Tudo isso pra dizer que hoje partimos caminhos, como eles dizem por lá, e eu ainda devo pra vocês umas fotos nossas entre os leste-europeus, posto quando puder. Pra esquentar digo que o caminho foi, Atlas na mão, Praga-Cracóvia-Bratislava-Budapeste-Pula-Ljubljana, e agora sigo pra Viena de onde me atiro em direção ao Leste hardcore, onde meu Führer (e vejam que os alemães sempre têm algo a nos ensinar, Audioführer é uma palavra que atinge o ponto e vira o tabuleiro do checklist de museus e igrejas) diz pra tomar mais cuidado, com o bandido como com a policia. Mas minha mãe vai ficar aliviada se der uma olhada no que eles recomendam em São Paulo (ter o dinheiro do ladrão, como meu pai sempre me ensinou), o que nos deixa seguros quanto a Bulgária, Turquia e Rússia. Cirílico faltei nas aulas de Dan Rolim e ainda vou ter que dominar, mas o Dóbri Den é universal por aqui, e só com ele e com o passaporte verde já vamos nos entendendo. Como disse o inglês wittingly resumindo tudo, it's a nice place to come from.

sábado, 14 de julho de 2007

Por trás das cortinas

Atravessei finalmente a tal da barreira psicológica que separa Leste e Oeste ainda agora. Corri da Haia pra Praga, onde estive dois dias, e Cracóvia por mais dois. Localização atual: Bratislava.

Por aqui persistem os castelos e templos, com a importante diferença de que tenho um companheiro mais permanente, por um tempo, o Rafael Milaré, que voa de Ljubljana de volta pra Londres no dia 21.

O que o Leste tem além do Oeste é a perigosa sensação de que ainda podem acontecer coisas no mundo. Meu guia, verdíssimo quando fala de créditos de carbono e enterro de dejetos humanos, sabe diferenciar bem uma fantástica parte medieval preservada de uma triste parte comunista que ninguém teve pulso pra demolir. A gente gosta de história, mas muito bem diagramada, como diria aquele filho do Mário Prata.

Os highlights então são, em Praga, o Museu do Comunismo, e, ao lado da Cracóvia, Auschwitz.

O Museu do Comunismo é uma instituição privada, possuída ao lado do McDonald's de Praga e no mesmo prédio de um cassino, por um empresário americano desinteressado. O símbolo é uma bonequinha russa com dentes de monstro, e os textos e objetos tratam basicamente dos horrores da imposição do modo comunista de vida ao anteriormente feliz povo do Leste da Europa. Quando visitar os impositores do Norte, posso falar mais. Pausa.

Auschwitz, agora uma cidade dona de um nome em Polonês que quem quiser acha, é na parte que todos visitamos um enorme museu, do Estado polonês, sobre os horrores da imposição dos trabalhos forçados aos prisioneiros da Europa toda, coroada pela idéia de extermínio da raça judia (expressão conforme decisão do STF). Tudo bem o museu e os guias não pararem um segundo pra discutir a ideologia - muitas feridas abertas, e vai saber que tipo de gente ainda tem no mundo - mas vamos tentar distorcer um pouco os fatos a ver se assim enxergamos melhor.

Várias das cidades da Espanha e de Portugal, assim como Praga, têm um bairro judeu, isto é, histórico, do século XIII ou XVI ou XIX. Não é que eles quisessem muito viver juntos e amuralhados. O confinamento e a expulsão aconteceu várias vezes em vários países da Europa. Como mostrou o Al Pacino, na bela Florença e na bela Veneza a vida deles também não era uma maravilha. A novidade de Auschwitz não está no ódio, nem na crueldade dos guardas (que aparentemente não pertenciam à nossa espécie, mas eram um tipo de gente que nasceu malvada), nem na existência de trabalhos forçados (que queremos implementar nas nossas penitenciárias) para fazer girar uma economia de guerra.

A novidade de Auschwitz - é preciso dizer - é a linha de produção, a sociedade industrial. A aplicação das novas técnicas e da mais moderna tecnologia permitiu realizar, com muito mais eficiência, um trabalho no qual os governos de vários países europeus se empenharam por alguns séculos. Os escravos da raça negra (expressão pendendo decisão do STF) no nosso Império dos Trópicos tinham uma prerrogativa simples, que era a impossibilidade de a cana crescer mais rápido. Por outro lado, a Primeira Globalização dotou a Europa de uma fantástica rede de estradas de ferro, através da qual foi possível transportar para um pedacinho do Reich alguns milhões de pessoas em tempo recorde.

A união de uma tendência histórica com as novas técnicas, tradição e modernidade, permitiram o horror na escala Auschwitziana. Não sei quanto é absurdo dizer que os horrores do comunismo são simplesmente o outro lado da moeda da implementação da sociedade industrial em economias anteriormente agrárias.

Sei que não lembro de Londres ter um Museu das Fábricas da Primeira Revolução Industrial. E que os pavilhões do Carandiru foram removidos para dar lugar ao bonito Parque da Juventude, uma conquista do povo paulista.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Pra quem sente falta de poesia

LITOGRAVURA

Mão de estátua
Templo. Coluna. Arco do triunfo.
Mil duzentos e cinqüenta.
Qualquer pedra na Europa
é supeita de ser mais do que aparenta.

Felizes as pedras da minha terra
que nunca foram senão pedras.
Pedras,
a lua esfria
e o sol esquenta.

(lmnsk, não conferido)

terça-feira, 10 de julho de 2007

Holanda

Passei na Holanda, que não estava no catálogo. Comentários rápidos:

(1) Nem sei sobre a coisa dos coffee shops. Depois de uns quatro dias, a gente até fica feliz que no nosso país não é liberado. Fica sendo assim uma coisa turística, uns dias meio apagados andando entre um e outro bares da fumaça, que as pessoas fazem por medo que acabe. Um pouco como aproveitar o último ano da faculdade. Mas a maior sacada é uma lei que impede de vender álcool, maconha e cogumelos no mesmo estabelecimento: uma droga em cada lugar. Claro que sempre vai ter um que vai fazer uma besteira, mas desse jeito fica bem mais difícil responsabilizar o estabelecimento. O indivíduo, agindo no seu livre-arbítrio, escolheu se intoxicar com várias substâncias diferentes. Meu cliente só vende uma delas, e as pesquisas científicas comprovam que não há nexo de causalidade entre ela e o dano sofrido.

(2) Bairros da Luz Vermelha. Como os coffee shops, tem por toda a Holanda, não só em Amsterdã. Na Haia tinha um pequeno, no caminho entre meu albergue e o Centro. Dez da manhã, frio e as mulheres chegando, cumprimentando o cara da quitanda, trocando de roupa e iniciando pontualmente a jornada de trabalho. Cinco da tarde, volta pro albergue, e a loira de lingerie ainda lá, piscando recepcionista pros caras na rua e olhando furtiva pro relógio que marca o tempo de cada cliente como marca a hora dela, torcendo pra dar 6 horas logo e ir pra casa assistir Friends.

(3) Palácio da Paz, Corte Internacional de Justiça e Academia da Haia. Fantástico, o Judiciário do Brasil tinha muito o que aprender com eles. Uns 30% da mão-de-obra, incluindo quase toda a parte técnico-jurídica, é voluntária, ou seja, não ganha nem um centavo e trabalha lá de dois meses a um ano. Privilégio de poucos, processo seletivo dificílimo. Vamos ver daqui a um ou dois anos.

(4) Resolvi vir pra o Leste de uma vez. No momento, Praga. Amanhã, Cracóvia. Acho.

(5) Isso não é verão. Onze da manhã e eu lavando roupa com dois casacos. Comprados aqui, que pra mim julho era julho mesmo no norte. Não é não, e meus novos amigos suecos dizem que assim já tá ótimo.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Finalmente Andaluzia


A maioria dos mochileiros brasileiros, que tem que percorrer toda a Europa em umas poucas semanas, faz a Espanha só com 3 dias em Madri mais 3 em Barcelona. Legal, vai. Talvez seja um desses erros que, como o Guggengheim Bilbao, cada um tem que cometer por si. Mas eu desde que estive nesse país quase todo venho dizendo, O que pega é a Andaluzia! Retomando o que já falei umas vezes, aqui é onde está a Espanha espanhola, mesmo, um pouco como na Bahia e no Rio é onde está o Brasil brasileiro - e os paulistas podemos ficar cantando marchinha de carnaval a vida inteira sem conseguir sensibilizar um gringo que seja.

Sobre Sevilha já dei uma idéia, mas chegar a Córdoba trouxe de volta a impressão andaluza, numa tonalidade diferente o suficiente pra manter o maravilhamento. Enquanto Sevilha tem a Catedral e La Giralda, Córdoba tem uma Mesquita inteira e um Alcázar dos Reis Católicos. Se ao redor da Catedral sevilhana se aglomeram casas todas coloridas e com azulejos trabalhados, Córdoba é perfeitamente branca, como vários dos pueblozinhos que se vêem percorrendo o país por terra. O antigo bairro judeu permanece um labirinto de casas caiadas e ruas estreitas, e chegar lá pela manhã é encontrar os espanhóis limpando suas fachadas e varrendo suas ruas, com o privilégio de encontrar uma mesquita quase sem turistas onde ainda se reza uma missa.

(por sinal, algo de meio esquizofrênico. Assim: depois da Reconquista, a Mesquita foi entregue pra Santa Igreja, que destruiu o meio do templo e construiu uma catedral católica *dentro* da Mesquita. Essa catedral, por sua vez, ainda abriga os cultos católicos, tem bispo e tudo. Ocorre que milhões de turistas se apertam lá todos os anos não, óbvio, pra ver uma catedral bizarra e meia-boca, mas pra ver a maravilha da floresta de colunas e arcos da Mesquita. O resultado é que eles te cobram dez euros (menos entre as 8h30 e as 10h00, rá) pra ver a maravilha da criação muçulmana, mas recebem um panfleto sobre 'A Catedral de Córdoba' e que fica justificando o chegar primeiro dos cristãos na catedral lembrando de um passado visigótico, do século VI, quando provavelmente tinha três pedras no local, e não uma maravilha do mundo que eles detonaram pra fazer o seu templozinho. Claro que o segundo gume dessa argumentação, ou seja, de que uma vez que a questão da propriedade pode ser discutida com base na propriedade histórica, os muçulmanos poderiam fazer suas próprias contas sobre o assunto, é ignorado.)

O Alcázar parece ser uma coisa assim assim quando você entra, porque o que tem de melhor são uns mosaicos romanos que nem lá estavam, mas que foram encontrador perto e colocados ali como num museu meio fora de lugar. Mas conforme os jardins vão se sucedendo e ficando mais e mais pirotécnicos, não tem como não admirar a obra dos Reis Católicos e do Carlos Quinto. Ouço até o TVI fazendo o comentário de que mais 50 anos de monarquia e o Brasil com certeza tinha um desses. Com mais 50 de escravidão, pode até ser.

Córdoba exagera um pouco seu passado tolerante, mas a propaganda pra ser capital cultural da europa, com seus sabidos medievais judeus e árabes, segue forte.

Depois de Sevilha e Córdoba, Granada é, hm, legal. Fiz o circuito, visitei a Alhambra duas vezes, de dia e de noite, e sim, tem umas coisas bacanas, o teto do Palacio Nazari é esplendoroso e tem jardins e tal, mas não chega a impressionar, avassalar como nas outras duas cidades. Mais legal que isso é que Granada é uma cidade ainda viva, com o bairro antigo funcionando e com ladrões que o guia manda tomar cuidado e uma mesquita construída pros novos habitantes maometanos (aliás, medo: em Portugal, vi um cara desses carecas gordos de barba-ruiva com uma camiseta, Reconquista - Fizemos uma vez, Faremos de novo; e ele atendia sorridente num posto de informações pra turistas, mostrando que a Europa tem mesmo essa coisa de tolerante mesmo que nosotros latinos acabamos não entendendo direito). Enfim, essa de a Alhambra ser maravilha do mundo só vale se estiverem faltando maravilhas, mesmo.

(pausa pra reflexão sobre a eleição, por voto por telefone e internet, de 7 novas maravilhas do mundo, http://www.new7wonders.com/, your chance to take a part in the making of history. Gostaria de lembrar um episódio injustamente esquecido da história recente do Brasil, no qual a Rede Globo de Televisão inventou de fazer uma eleição popular para a mulher mais bela não do ano, nem da década, tampouco de um setor específico como as telenovelas da Rede Globo que estivessem sendo transmitidas na época da votação. Foi um concurso para a mulher mais bela do século, de 1901 a 2000. Vencedora: Maria Fernanda Candido, que se encontrava fazendo a Paola de Terra Nostra no momento em que a pesquisa foi conduzida.)

Acabei indo num segundo flamenco, que eu realmente precisava, e usando a cidade pra conhecer australianos, holandeses e o mexicano Pedro, que me acompanhou no maravilhoso mundo de los toros!

P.S. - Fotos quando tiver um lugar que me deixe usar.

P.P.S. - Está ficando progressivamente mais difícil escrever com acentos e tal, conforme vou pro Leste. Quero ver Turquia e o teclado russo.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Toros!

Vamos encerrar pra poder falar da Andaluzia e partir pra Parte 2 - Leste da viagem.

Primeiro preciso dizer que não é que eles simplesmente provocam e matam um touro na frente de uma platéia vibrando. Eles provocam e matam *seis* touros, um atrás do outro. Fiz uns vídeos que posto assim que descobrir como fazer isso, mas não é nada tranqüilo: o touro entra já com uma bandeirinha no cupim, e disso são três seções: na primeira, um monte de subalternos (o nome é esse) fica provocando o bicho e pulando pra fora da arena quando ele chega perto, todos com muletas (a capa do toureiro) rosas, e o objetivo é cansar um pouco o bicho. Junto com isso tem uns caras a cavalo com umas lanças, e os cavalos usam armadura e ficam vendados pra não verem o touro e fugirem; o touro, vendo alvos grandes, vai seco e não só crava os chifres na armadura como tem o cupim perfurado bem fundo pela lança do cavaleiro; com isso ele perde força e não tem tanta facilidade pra investir.
Na segunda etapa, três caras sem a capa correm em direção ao touro e enfiam umas bandeirinhas nas costas dele, bandeirinhas estas que segundo meus tutores no assunto não têm função prática, só estética.
No fim, aparece o matador, toureiro com uma muleta (capa) vermelha e espada de madeira, e ele faz aquela parte mais famosa, que é ficar driblando o touro, já bem cansado e com os músculos de tração bem danificados, até o touro cansar e estar quase incapaz de continuar investindo.
No fim do terceiro ato, o matador troca a espada de madeira por uma de metal, faz mais uns floreios e enfia um metro de aço pelo cupim do touro, com o objetivo de chegar no coração. Se o bicho não morre de primeira, ele tenta outra vez, mas é quase impossível ganhar qualquer prêmio se isso acontece.
Mas tem mais: primeiro, é um touro, então mesmo acertado em cheio ele demora uns vários minutos pra morrer, com os subalternos e suas capas rosas voltando pra fazer firula até ele cair. Depois, é bem comum que o bicho precise de mais de uma estocada, e aí a platéia reclama, vaia e etc., e começam a tocar umas cornetas de aviso pro matador. Por último, se o touro estiver resistindo, o matador troca de espada e pega uma outra, a qual ele enfia na nuca do touro algumas vezes (se chama descabelar) até atingir uma parte do cérebro importante o suficiente pro bicho cair na hora. Pra garantir, vem um cara com uma faquinha, coloca no mesmo lugar e dá aquela chacoalhada. Mesmo já no chão, o touro treme todo nessa hora. O matador agradece a platéia e três mulas aparecem pra arrastar o corpo.
Seis vezes. Uma atrás da outra.
Do meu lado, o Pedro, um mexicano que encontrei em Granada e que ia pra Madrid. Como estava barato (€6,50, num lugar que pode chegar a custar €100), porque era novilhada - com touros e toureiros mais jovens -, tinha comprado 2 ingressos acreditando que ia achar alguém mesmo pra ir junto. Não só achei um cara como achei um cara que vai em tourada como se vai em jogo de futebol, me explicou bem como funciona isso aí em cima e muito mais. O Danilo já tinha me dado uma introdução, e nos jornais diários da Espanha tem todo dia uma seção Toros dentro de Deportes, a qual acompanhei um pouco.
Além do Pedro, uns espanhóis que me entregaram um papel branco pra agitar se o espetáculo estivesse muito bom, o que acabou não acontecendo, e um grupo de americanos que não calou a boca um segundo. Incluindo estarem enfiando uma faca no cérebro de um ser vivo e eles estarem contando pro amigo sobre um bar legal que tem no Arkansas ou da calça que comprou semana passada. Eu (de todas as pessoas) tive que pedir silêncio e respeito, e que ouvir que não, que eles não podiam respeitar a morte por uns minutos. Cidadania européia faz falta às vezes.
***
A verdade é que não tem nenhuma justificativa, dentro dos princípios professados pelo mundo liberal contemporâneo, pra existir uma coisa como a tourada. É causar sistematicamente um sofrimento totalmente desnecessário a um bicho que sente dor, em favor do entretenimento de uns tantos outros bichos e do sustento da vida de uns outros. Se algum significado ritual já existiu, perdeu-se no tempo, e nunca teria sentido pra nosotros turistas.
Uma saída fantástica é a legitimação pela existência. Ou seja, se uma coisa existe é porque é boa, ou pelo menos é melhor do que as coisas que não existem mais, toda essa velharia que deu lugar ao fantástico mundo do hoje.
Mas, exceto se entrarmos no mundo dos argumentos bizarros ('esse touro nem ia estar vivo se não fosse pela tourada', 'ele também tenta matar os homens'), o único jeito é admitirmos que nos consideramos mais importantes que o touro, o suficiente pra o nosso entretenimento valer todo o susto e a confusão e a dor e a morte. E, embora não seja um bicho totalmente indefeso (a cada 5 anos um toureiro dá azar), atualmente as chances estão bem pro lado do homem.
E, se somos mais importantes que o touro, temos que admitir que de duas uma: ou fomos criados melhores que ele, e portanto é absolutamente natural que nos sirvamos do sofrimento dele pra nos divertir; ou conquistamos nossa superioridade fazendo fogo e aprendendo a plantar e a construir fábricas, metralhadoras e câmeras digitais. Ou já nascemos desiguais ou nos fazemos desiguais, como diria Hanna Arendt.
Em qualquer dessas hipóteses, eu perco o direito de reclamar da arrogância dos americanos.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Introduçäo às touradas

Do NYT. Depois comento. Agora preciso ir pra Holanda.

02/07/2007

Consumismo excessivo é a marca do novo movimento verde

De Alex Williams

Eis aqui uma imagem popular referente à salvação do planeta: deixe o aconchego dos suntuosos lençóis de fibra de cânhamo na sua cama, vista uma calça de algodão orgânico da Levi's, de US$ 245 e uma camisa de tricô biodegradável da Armani.

Saia do seu quarto, movimente-se pela casa eco-McMansion, dotada de painéis solares fotovoltaicos, e dirija-se à cozinha remodelada com madeira reciclada. Entre na garagem para três carros iluminada com lâmpadas fluorescentes que consomem pouca energia e sente-se atrás do volante do seu Lexus híbrido de US$ 104 mil.

Dirija até o aeroporto, e embarque num vôo de 12,8 mil quilômetros -- tomando o cuidado de comprar direitos para o consumo de carbono -- e passe uma semana jogando bolas de golfe feitas com comida de peixe compactada em um eco-resort nas Ilhas Maldivas.

Essa imagem de uma vida eco-sensível baseada em uma série de escolhas a respeito do que comprar atrai milhões de consumidores e sem dúvida define o atual movimento ambiental como preocupado ao mesmo tempo com o destino da Terra e com uma vida de estilo.

Escolha ecológica

Segundo um relatório divulgado recentemente, cerca de 35 milhões de norte-americanos compram regularmente produtos comercializados como ecológicos. A diversidade desses produtos é muito grande, abrangendo desde os batons de cera de abelhas orgânica da floresta tropical do oeste de Zâmbia até os automóveis Toyota Prius. Com passos graduais, um número cada vez maior de consumidores procura o que deseja no catálogo de 60 mil produtos disponível no novo programa Opções Ecológicas da Home Depot.

Tais escolhas estão na moda neste momento em que as celebridades preocupadas com o aquecimento global aparecem na capa da 'edição verde' da revista "Vanity Fair", e astros populares como Kelly Clarkson e Lenny Kravitz se preparam para agir em prol do planeta nos concertos da série Live Earth, em 7 de julho, que ocorrerão em diversos locais de todo o mundo.

Os consumidores abraçaram o estilo de vida verde, e em grande parte o movimento verde tradicional adotou o consumismo verde. Mas até mesmo neste momento de alta visibilidade e impacto para os ativistas ambientais, uma facção dissidente do movimento passou a criticar aquilo que à vezes chama de "verdes light". Esses críticos questionam a idéia de que possamos reverter o aquecimento global comprando os produtos rotulados de "amigos da Terra", entre os quais estão roupas, carros, casas e férias, quando o efeito cumulativo do nosso consumo continua sendo enorme e perigoso.

Como ser 'eco-sexy'

"Existe atualmente uma idéia bastante generalizada segundo a qual tudo o que precisamos fazer para evitar catástrofes em escala planetária é tomar decisões de compra ligeiramente diferentes", critica Alex Steffen, diretor-executivo do Worldchanging.com, um website dedicado às questões relativas à sustentabilidade. A solução genuína, segundo ele e outros críticos, é reduzir significativamente o consumo de bens e recursos. Não basta construir uma casa de férias com madeira reciclada. A maneira real de reduzir as emissões de carbono é ter apenas uma casa.

Comprar um carro híbrido não ajudará caso este seja o Lexus mencionado acima, o luxuoso modelo LS 600h L, que faz 9,3 quilômetros por litro na estrada; o Toyota Yaris (US$ 11 mil) faz 17,3 quilômetros por litro nas rodovias com um motor comum a gasolina.

É como se as milhões de pessoas que os ambientalistas conseguiram convencer com sucesso a se preocuparem com o aquecimento global estivessem passando por um momento do tipo "coma bem e à vontade": ao se depararem com uma caixa de biscoitos de chocolates sem gordura, que acabam de maneira deliciosa com qualquer sensação de culpa, esses indivíduos comem o conteúdo inteiro da caixa, evitando a gordura, mas empaturrando-se de calorias.

A questão do consumismo verde está chamando atenção para uma divisão no seio do movimento ambiental: "Os ambientalistas da velha guarda baseada na auto-abnegação versus esse grupo que deseja comprar uma espécie de caminho para os céus", diz Chip Giller, fundador do Grist.org, um blog ecológico que alega contar com 800 mil leitores por mês. "Nos últimos dois meses tem aumentado a preocupação do campo tradicional em relação às extravagâncias do novo movimento verde -- do tipo '55 maneiras maravilhosas de ser eco-sexy'", diz Giller.

"Entre os verdes tradicionais, existe o temor de que grande parte da população acredite que exista uma solução fácil para esse problema de dimensões planetárias".

Tradução: UOL

Visite o site do The New York Times