sexta-feira, 29 de junho de 2007

Duas capitais ibéricas

Preciso dizer antes que visitamos, eu e o Danilo, Toledo, que em todo lugar é tratada como a jóia da coroa e etc. Meu comentário é que, bem...vá antes de ir a Sevilha, ou, antecipando um pouco as coisas, antes de ir à Andaluzia. Toledo é, realmente, uma das partes mais legais de Madri, mas é isso o que é. Pode ser injusta a comparação, claro; Toledo é uma cidadezinha medieval que não andou se cuidando (o Alcázar, que poderia ser atração principal, está ocupado em se transformar em Museu do Exército) e eu realmente não estive nos castelos. Mas acho que a importância dada à cidade visigótica acaba sendo mais um tributo de uma Espanha cristã ao seu não-muito-deslumbrante passado cristão pra contrabalançar as verdadeiras maravilhas do país, que estão todas na Espanha muçulmana.

Dito isso, Toledo é interessante, uma cidadezinha medieval preservada e tal, vendem espadas e armas medievais na cidade toda. O que me permite fazer um parêntesis que eu esqueci de fazer em A Coruña: nesta última cidade estava rolando uma gigantesca exposição, que está rodando a Espanha e talvez o mundo, fazendo enorme sucesso, de armas e armaduras e materiais, usados no Senhor dos Anéis. O que eu achei curioso, na época, é que, num país onde existem coisas medievais de verdade pra se ver, junta fila pra ver coisas medievais de mentirinha.

Mas é pior que isso. As lojas de Toledo, cidade famosa pela fabricação de armas medievais, estão abarrotadas, em primeiro plano, de espadas dos heróis da trilogia de cinema, compre a espada do elfo e etc. Em volta disso, um monte de cavaleiros medievais, e aqui e ali um Quijote e um Sancho. Não dá pra entender muito, porque se não fosse pela meio bobagem intrínseca da coisa, até do ponto de vista comercial é um erro: valia muito mais a cidade se encher de bugigangas do cavaleiro da triste figura, e criar uma enorme imagem em cima disso, do que ficar pagando royalties pra um gringo qualquer aí. Mas talvez a chave esteja exatamente aí, né?

De Toledo passamos pra Lisboa, cuja maior jóia é a Toledo portuguesa: chama-se Sintra, e é uma cidade onde nos séculos XVIII e XIX morou ou tinha uma residência a aristocracia do país, e que hoje se dedica a mostrar os tesouros antes aristocráticos e exclusivos pra quem se disponha a deixar uns euros lá. Tem lá um castelo chamado Castelo dos Mouros, do século X ou XI que é antes da reconquista Portuguesa, mas em volta vários edifícios já modernos e feitos por gente com muito dinheiro e imaginação. O ponto alto pra mim se chama Quinta da Regaleira, uma fazenda onde um sujeito montou no século XIX um parque de diversões pessoal baseado em estudos místicos e e cabalísticos. Recomendo altamente, e se possível vá ainda criança.

O outro ponto alto de Lisboa também não está na cidade em si, mas em Belém. Quando eu ia pensando que a arquitetura cristã não ia conseguir chegar perto do que os árabes fizeram, o Mosteiro dos Jerônimos mostrou que existe esperança para a civilização judaico-cristã ocidental. Todo em branco e estilo gótico, chega-se a imaginar os monges caminhando por ali na vida de clausura. Ali estão enterrados, lado a lado, Camões e Vasco da Gama. Hoje, além de aceitar turistas, o lugar funciona como centro de eventos.

Quanto a Lisboa-ela-mesma, é divertido estar com os portugueses, ouvir a língua deles e etc. O melhor foi tomar do garçom uma lição sobre quais pratos levam azeite e quais não. Segundo ele, enquanto às postas de bacalhau é essencial adicionar azeite, o bacalhau à braz já leva azeite, e colocar mais seria estragar o prato. Ele é quem entende, claro.




Vale a pena também ir ao Castelo de São Jorge, que é um castelo, enfim, nada de mais, mas oferece umas vistas legais sobre a cidade e tem um aparato chamado Periscópio, segundo os portugueses fruto da mais moderna tecnologia e raríssimo, de onde você pode ter umas vistas legais da cidade.





Quanto a Madri, é uma capital, digamos, normal, exceto pelos três museus a menos de um quilômetro um do outro e que podem te manter uma semana entretido. Passei uma tarde no Prado e outra no Reina Sofía, mas ao Prado preciso voltar (passei as primeiras 3h vendo uns 5% do museu até que me dei conta que nem ia conseguir passar pelos outros lugares nesse ritmo), e ainda tem a Fundação Thyssen. A maioria dos turistas está lá é pela noite, mesmo, mas não dei muita sorte quando saí com eles. Acabamos sendo empurrados de um bar turístico pra outro, com nomes de bares que poderiam estar em qualquer lugar do mundo ('Mona Lisa'), e que custavam progressivamente mais caro - sendo aquele tipo de lugar que parece o máximo na E! Entertainment Television e nos instantes em que todo mundo finge que está o máximo pra câmera, mas nos quais você vê que as pessoas não estão se divertindo tanto assim. Entre um bar e outro, umas fotos de grupo sendo que ninguém nem se conhecia direito. Fiz uns amigos ingleses, pelo menos. No dia seguinte, dei mais sorte indo com umas meninas que tinham morado em Madri pra um lugar chamado Palácio.

No dia seguinte, depois de uma caminhada pelas igrejas e pontos turísticos não-museus (algumas coisas interessantes, nada deslumbrante), ia almoçar com um primo, o Mário Vidigal, que mora em Madri há entre 5 e 10 anos, e o que seria um almoço rápido acabou anulando a tarde. Conforme ele ia contando a história de vida, eu ia ficando com aquela sensação mesma de quando a avó do Danilo, em Barcelona, começou a contar sobre a Guerra Civil Espanhola. O cara fazia São Francisco, largou pra ser colunista de jornal e depois virar promóter, como se diz hoje, quando essa palavra nem existia; depois começou a trabalhar com eventos, veio sem idéia do que fazer até Madri e, muitos e muitos percalços depois, acabou virando guia turístico e passa metade da vida viajando. Próximo destino: China. Daí que a gente vê que há tanta coisa aí pra ser vivida e a maioria das pessoas está ocupada pensando na cor do seu próximo sofá.

Bem, o Mário me contou que estava sendo preparado o Orgulho Gay de Madri pra este domingo, e em seguida eu tive um pouco a sensação do Will Smith no Men in Black, quando ele começa a olhar em volta e reparar que todas aquelas pessoas que até há um segundo pareciam respeitáveis senhores e senhoras são obviamente alienígenas. Uns 20% da população dos bairros turísticos era de gays esperando o domingo, o que significou que todos os albergues e pensiones estavam lotados até esse dia. Decidi pegar um ônibus pra Córdoba, como as meninas que tinham morado na Espanha me disseram que era mais barato. Como tinha o ônibus da uma da manhã, foi esse mesmo.

Duas coisas:

(1) Comprei ingressos pra uma novilhada, isto é, tourada com touros jovens, neste domingo. Me renderam umas boas conversas com gente que é contra e etc. Quero falar um pouco disso mas vamos esperar acontecer. É neste domingo.

(2) É comum o ônibus ser mais barato que o trem. Se você estiver viajando, isso pode ser um bom motivo pra ir de ônibus. Mas tem o seguinte: pegue o trem noturno, ou pegue o ônibus. Ônibus noturno aqui é muuuito ruim, e o motorista acha que você tem obrigação de tolerar o gosto musical dele. É até estranho, porque lembro de viagens noturnas de ônibus no Brasil, pro Sul ou pro Rio de Janeiro, e nenhuma foi tão ruim quanto minhas 5h entre Madri e Córdoba.

Sevilha e as palavras (18-19.6)





Até a pensión

De volta a Barcelona (16-17-18.6)

Els catalans
Entre sonhos de Gaudí
A casa de pedra de borracha

Bilbao (15-16.6)

Panorama de Bilbao

O melhor do Guggenheim
A arquitetura tradicional hobbit-basca, no interior do país



Ao fundo, um castelo num lugar suspeito; na frente, um típico hobbit

O castelo fake do país basco

sábado, 23 de junho de 2007

Uma cidade para morrer

Depois da passagem por Bilbao e de recarregar a bateria com o Danilo, a mãe dele e os avós me alimentando em dois dias de vida feliz Barcelonesa, caímos eu e ele na estrada de novo. O Danilo não largou a vida de advogado, então o mais precioso que tínhamos era o tempo - o tempo dos advogados, como o ouro do Sílvio Santos, é coisa que vale mais do que dinheiro. Tive tempo de passar na Casa Milá, com tudo sobre o Gaudí, e que recomendo, principalmente a entrada pela Fundação Caixa Catalunya, com tudo sobre o processo de criação desse insano que ergueu no mediterrâneo, nas entranhas de Barcelona, toda uma cidade própria.
(pelo passo aqui como lá, em breve todos os centros culturais pertencerão às instituições financeiras; nada que não tenha acontecido com a igreja, noutra época)
Então pegamos o vôo da madrugada pra Sevilha. Minha avó dizia mas a gente escuta sem dar muita bola, sempre - Sevilha é a cidade mais bonita até agora, e acho que não digo nem até agora nesse um mês, mas até agora nesses vinte e quatro anos. É que o Rio atravessa um pouco no meio, mas Sevilha é assim: uma imensa catedral forrada de tesouros, com um pátio de laranjas (marca registrada dos árabes) cercado por uma muralha mourisca e guarnecida por uma torre também com sabor islâmico, La Giralda. Ao lado, o Alcázar, até hoje residência dos Reis de Espanha e construído por partes que vão montando uma história. Em frente, os jardins geométricos, com mais laranjas. E em volta desses dois monumentos uma cidade velha reluzente de arcos e ladrilhos. A nossa pensão, a San Pancracio, dava uns dois parágrafos sozinha. Pagamos 17 euros e meio cada um. Na noite que passamos lá, ainda tivemos flamenco, e assistimos a um cantaor, um tocaor e dois bailaores destilarem duende. A Andaluzia fez sua introdução sem o menor esforço de causar maravilhamento, que logo completarei com Córdoba, Granada e uma outra cidade, que pode ou não ser Málaga. Cidade mais recomendada para Luas de Mel e para fins de vida do que qualquer outra do ocidente. Até agora.
Depois de Sevilha, complicou pra Toledo. Pegamos o vôo da noite pra Madrid, e o último ônibus saía pra Toledo à meia noite, então foi um percurso tenso até chegarmos ao albergue às duas da manhã e vermos que efetivamente o dono abriu a porta. A cidade é bonita e tal, medieval com castelos, mas a dica é: não vá logo depois de voltar da Andaluzia, e sim antes. A sensação é de que o ocidente simplesmente não pode igualar a maestria dos irmãos de Averróis e Avicenas.
Bem, essa sensação fica um pouco amenizada com Lisboa. Fomos ontem ao Mosteiro dos Jerónimos, que sobreviveu ao terremoto de 1755 (famoso pela boca do Voltaire, algo que curiosamente ninguém menciona), e é o gótico no seu ponto mais deslumbrante, uma teia de arcos em pedra branca dedicado à devoção antigamente, e ao turismo atualmente. Fantástico.
Noto que em Lisboa tive o mais grave dos meus pequenos incidentes até agora. Um carteirista tentou levar a minha carteira mágica no autocarro. Ou melhor, ele conseguiu, por alguns minutos, mas ela não se chama carteira mágica à toa. Eu, que tinha tido desde que entrei no veículo um sentido de ficar comentando com o Danilo as constantes placas de cuidado com os carteiristas/attention aux pickpockets/beware of pickpockets, notei o bolso aberto e que antes estava fechado - e sem a carteira. O motorista estava muito longe, então tudo o que eu pude fazer foi pegar o sujeito ao lado e começar a falar pra ele que ele tinha roubado minha carteira e mexer nas coisas do cara, até ver a carteira no chão, pegar e olhar pro cara e pedir desculpas com entonação de saber que foi ele. O Danilo comentou isso e eu disse que sabia, mas não ia arrumar dor-de-cabeça.
Hoje é ir pra Belém, que dizem que é imperdível, e amanhã logo cedo partir pra Madrid. Fotos de lá, talvez no corpo do texto.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Nova etapa

Não há muito tempo: depois de Guernica passei uns dias em Bilbao. Bilbao é, bem, uma cidade normal, pense uma São Paulo (i) com menos gente; (ii) com uma seqüência de prefeitos minimamente decentes; e (iii) na qual nenhum gênio do urbanismo tenha tido a idéia de cimentar o rio que passa no centro. Sério, nada de mais, nada que justifique a moda.

Bom, tem o Guggenheim. O Guggenheim fica num prédio, literalmente, espetacular. Um cachorrinho de 4m feito de flores, esculturas de águas pulantes e de vapor e uma aranha artisticamente chamada de 'mãe' ornamentam um edifício todo de metal e vidro retorcido, com um bom resultado. Mas entrar nele é um desperdício de 6 euros. Se quiser muito gastar essa grana, compre uma camiseta do museu.

Sério, só uma arte pretensiosa da qual o mais interessante que se tem pra comentar (e sobre o que os audioguias se estendem por horas) são os materiais usados pelos artistas. Inclusive o audioguia pra criança pareceu mais inteligente que o dos adultos, falando pra você entrar nas esculturas e sentir o seu corpo, ou seja, o Guggenheim Bilbao apresenta uma experiência muito semelhante ao Brinquedão do Parque da Mônica.

Valeu pelo entorno, do qual comento quando puder.

Desde então, voltei pra Barcelona, onde tirei dois dias de férias da viagem na casa do Danilo, onde a mãe e a avó dele me trataram como se eu fosse um refugiado da Somália, na época em que se faziam piadinhas de salão - aquelas que não são imorais e não arriscam ofender ninguém - sobre os famintos da Somália.

Pegamos um avião, estamos em Sevilha e temos flamenco em meia hora. Por isso, fica pra depois.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Guernica em 3 momentos

Hoje tem dissertação. Para mais aventuras, volte outro dia.

1.

Guernica é muito mais que uma pintura. O mais fantástico sobre a cidade é que tem muito pouco o que se ver aqui, exceto uma árvore, da qual nós turistas ficamos tirando foto feito idiotas, como quando trazem uma roda de bicicleta pro MASP e tem uma plaquinha do lado, "Roda de Bicicleta/Marcel DUCHAMP".

Então, ocorre que essa árvore, El Árbol de Guernica, é onde a Junta Geral dos bascos se reuniu desde, pelo menos, o século X. Os caras tocavam trombetas e acendiam fogueiras nos morros da França até Bilbao pra convocar as assembléias, e eram todas debaixo da tal árvore - e, pelos desenhos, presididas por velhinhos com mantos.

Mais. Todos os que quisessem ser 'senhores da terra' desde 1300 e poucos, inclusive os reis da Espanha mais ferrados, tipo Carlos Quinto, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, e Felipe II, dono de metade do planeta até a história da Invencível Armada, tinham que jurar sobre ou fueros deles, ou seja, as leis velhas, e prometer respeitá-las. E isso debaixo da árvore. Com o velhinho segurando as leis. Senão, nada de ser rei dos bascos.

Isso até 1800 e alguma coisa (quer precisão, tem a Wikipedia), quando eles ficaram do lado errado numa guerra e perderam os 'privilégios'. Só, que, sendo bascos e estando no mundo desde a Criação - pelo menos - eles nunca aceitaram muito essa história. Isso só piorou quando começou a guerra civil, e eles sabiam muito bem de que lado ficar. Do lado que não ia encher o saco deles.

2.

Então, em 26 de abril de 1937, das quatro às seis da tarde, a cidade foi bombardeada. Foram tipo 5 mil bombas, pesando 28 toneladas, que caíram sobre a cidade e, o que não destruíram, queimaram. Tudo, menos os alvos militares, que poderiam ser úteis depois. Procedência dos aviões: Alemanha e Itália. A dupla dinâmica estava testando os brinquedos novos pra poder usar em algo mais útil depois.

O país basco foi dominado e silenciado por 40 anos. Franco. Guernica virou quadro e símbolo mundial.

3.

Hoje a coisa complicou um pouco mais. O nacionalismo dos bascos, que nasceu da repressão de 1800 e tanto, persiste e quer voltar a ter suas próprias leis, ser governado pelas assembléias presididas pelo velhinho. Ou não. Desde que eles decidam. Como bascos. Inclusive os museus daqui, mesmo que diplomaticamente, incluem no mapa do país uma partezinha da França - que não quer nem ouvir falar no assunto.

A Espanha é mais tolerante. Está disposta a ouvir os bascos e dialogar democraticamente. Desde que eles também sejam tolerantes. Isto é, dialoguem democraticamente. Isto é, deixem o velhinho da árvore pra lá com suas leis velhas e carcomidas. No mundo globalizado, oferecem pros bascos liberdade total; só com o asterisco de que não podem tomar nenhuma decisão. E tem gente que não entende essas coisas da modernidade, parece que vive no passado - e apela pra violência, acabando com o diálogo democrático.

De forma que as atrações principais são museus com a história e a cultura bascas (fantásticas) e um Museu pela Paz ou algo assim, que é realmente muito bem montado. A melhor parte, com a história da cidade e do bombardeio, você inclusive pode conferir aqui. Recomendo.

Enfim, o grande tema da cidade é a Paz, com museus e exposições sobre isso e tudo, e mensagens de Gandhi e Rousseau e Madre Teresa, dizendo que temos que aprender a dialogar e tolerar e respeitar.

Mas fica faltando uma coisa: o que fazer com o velhinho da árvore?
P.S. - Quase compro uma camisa com a bandeira. Mas imagina isso no curso de organizações internacionais de Paris? Ainda não cheguei tão longe.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

No país do Quixote XXI


De como entrar no país basco

Em primeiro lugar, é preciso estar num lugar próximo como Zaragoza, e desistir pelo adiantado da hora, mas principalmente pela desorganização da rede nacional de transportes, de passar em Olite, Navarra. Sério, é uma zona. De você chegar às 3h15, o seu ônibus ser 3h30, e não ter ninguém na estação. Ninguém. Nadie. Ningú. Ninguén. Inor. Daí se vai direto pra San Sebastián, ou Donostie.

Daí no ônibus tem um cara completamente bêbado e enquanto você está ouvindo Adoniran pra se sentir um pouco superior ele te pergunta o que te deixa tão feliz, e depois pede pra ouvir e diz que ele é um verdadeiro basco e que aquilo é precioso, e aí pergunta se você tem música clássica. Você põe Beethoven e ele fica dizendo o quanto é maravilhoso por uns cinco minutos até se cansar e começar a incomodar os outros passageiros para que ouçam também, inclusive uma menina de uns oito anos. Os outros não se interessam muito e ele começa a deitar na menina um pouco gorda sentada ao lado dele, mas ela o repele e todos ficam meio contra ele enquanto ele ainda está com seus fones, e você está um pouco: mas o cara é praticamente um descendente dos atlantes e vocês aí reclamando, ele é praticamente uma lenda, um descendente de Jesus como os reis antigos, deixem ele fazer o que quiser. Então finalmente ele se cansa e volta pro lugar dele, e depois de algum sono você está em San Sebastian.

Algum dia tinha que acontecer, e San Sebastián, justamente a melhor das praias, está totalmente nublado e você vai conhecer a costa mesmo assim, e à noite começa uma chuva muito chata após a qual, e depois de alguns pintxos, você resolve dormir pra esperar o dia seguinte como em Santiago onde o dia seguinte estava fantástico, mas o dia amanhece nublado e você sai para um passeio no morro. O morro é cheio de coníferas e de uma árvore basca que é uma metáfora pronta e que vai se desfazendo conforme cresce e os galhos se apartam, e o nublado confere ao clima todo um ar japonês apesar dos canhões e da imagem do Cristo sobre o morro, e você ouve uma missa que espera que seja em basco mas é em castelhano mesmo.

Depois de uma consulta pra verificar que realmente o nublado será por uns bons dias você decide sair de San Sebastián e vai pra Gernika, onde tudo é basco mesmo e sem aquelas concessões de cidade turística. Lá é muito mais que uma cidade bombardeada, foi e reunião do Parlamento basco por vários séculos e por isso foi bombardeada, e você fica simplesmente sentindo a vida dessa gente de outro planeta enquanto perambula e visita os lugares, até resolver ir dormir no seu albergue de peregrinos em que nada está escrito em outra língua exceto basco.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Sons do oriente

Estou em Zaragoza, onde umas notas de fundo da primeira passagem islâmica pela Europa se fazem sentir. Mais precisamente, no edifício conhecido como Aljafería, onde os árabes mostraram que podiam muito mais que os pobres arquitetos dos povos bárbaros. As diferenças entre a espetacular parte árabe que foi preservada e as partes medieval e mesmo mudéjar (incorporação de elementos dos árabes depois da Reconquista) são assombrosas. Fica difícil esperar pela Andaluzia, onde a Alhambra em Granada e a mesquita de Córdoba, dizem por aqui, são o exemplo da arquitetura árabe medieval no seu esplendor.
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A cidade conta também com a basílica, onde se diz que a Virgem uma vez apareceu sobre um pilar (não vou nem transcrever o comentário do Lonely Planet - cético até a alma). Um pedacinho do pilar fica descoberto e todo esburacado pelo ritual centenário de beijá-lo. Como aqui é meio passagem de um caminho secundário pra Santiago, acaba que um ou outro peregrino perdido aparece. Mas não só de fiéis desconhecidos vive o mimado pilar - há uma inscrição logo em cima com a data em que o Papa João Paulo II passou por aqui e mimetizou o ritual de adoração do objeto inanimado.

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Afora isso, o orgulho da cidade é a arquitetura que eles chamam de Renacimiento Aragonés (aqui é Reino de Aragão). O estilo do Renacimiento Aragonés é, ao que tudo indica, tributário direto da invenção do tijolo, e consiste basicamente em realizar obras que antes eram feitas com grandes pedras, utilizando para isso os pequenos tijolos. Uma verdadeira revolução na arquitetura mundial.

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Não há muito mais grandes atrações na cidade, e, sendo segunda-feira, os museus estão fechados. O dia teve que servir pra outras coisas, tipo comprar sabonete líquido pra parar de roubar os sabonetes de albergue pra usar nos que não têm (técnica que se revelou muito útil enquanto estes não ultrapassaram em número aqueles) e gilete que esqueci e acabei comprando em Braga (PT) uns daqueles descartáveis, que deslizam com a suavidade de um ralador de queijo.
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Afora isso, o verão finalmente chegou (se não deu pra notar pela praia), o que é ótimo porque eu estava contando com isso quando fiz minha mala. Por outro lado, o horário de pico do sol aqui vai aproximadamente das 10h00 às 18h00, e ficar andando por aí sem protetor é queimadura na certa. Não sei como aqui essa questão de sol não é elevada à categoria de Problema Nacional, que é o que acontece na Austrália, onde também tem gente branca demais num lugar que faz sol demais.
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Próximas paradas, um dia em Olite, antiga capital dos reis de Navarra (até 1512, quando a potência castellana os anexou), e ao que tudo indica a noite em San Sebastián, recomendação do Cadu como lar das praias mais bonitas da região - e, não sei se mais importante, no País Basco, uma parte do mundo em que sem nenhuma razão aparente alguns radicais insistem em utilizar uns métodos meio fora de moda para defender umas coisas meio fora de moda. A parte boa é que diz o meu guia que, ao contrário dessa gente, San Sebastián é totalmente in. Ufa!

Momentos Barceloneses - as fotos

É ela! É ela! É ela! É ela! É ela!Uma cidade em construção (você vê a catedral aí de cima? em 2020 tá pronta!)
Ambiente familiarAtividade principalOs caras tão fazendo de tudo por um troco (ah, essa é a Rambla)Jogos olímpicos de 92Eu em azul e o Danilo (que vai aparecer de novo - lembrem dele) em vermelho, no Parc GüellMais Parc GüellPrimeiro encontro inesperado em 20 dias - Bettina e Robertinha
Mirò e a mochila
Aqui o Brasil vende - inclusive o Brasil fabricado na China

Uma despedida - cair na estrada de novo depois de uma temporada dessas é uma que só experimentando; vai nessa, Gui!

domingo, 10 de junho de 2007

Momentos de Barcelona

Momento 1: estou andando nas Ramblas com o Pedro, um intercambista da GV que mora com o Gui no apartamento mais central de Barça onde vivi os últimos 5 dias nessa Vida Erasmus, e ele me comenta alguma coisa na linha de 'A verdade é que essa cidade é bem feia'.

Momento 2: estou com o Danilo, amigo do escritório que se orgulha das origens catalãs e está passando as férias na cidade com os avós, e ele constata que os turistas acabam meio que destruindo a cidade, ou pelo menos a cidade como entidade peculiar, com as coisas tipicamente barcelonesas ou catalãs ou espanholas. 'Nem parece que você tá na Espanha'.

Tem algo de incrivelmente triste no que acontece com Barcelona. Me lembra um artigo do Umberto Eco numa EntreLivros de agora que se chamava 'O falso necessário', sobre um templo grego de mentirinha que estão fazendo pra evitar que os turistas destruam os templos de verdade. Segundo o Eco, fazer isso é assustador e necessário.

É um comentário até banal (e, diria o Urso, fruto do meu senso comum particular) e acho que já fiz uma diatribezinha sobre isso aqui embaixo, mas vamos lá: da mesma forma que os condomínios que anunciam que você vai morar em meio ao verde são exatamente aquilo que destrói o verde que ainda existe em volta das cidades, o turista que vai conhecer as coisas tipicamente catalãs é a mesma pessoa que destrói essas coisas, ou ao menos as coisas no seu aspecto digamos assim mais autêntico, 'mais Câmara Cascudo, saca?' O meu Lonely Planet, por exemplo, está cheio de dicas de lugares super típicos e não turísticos, onde um espanhol mal-humorado te serve sem a menor pretensão de ser acolhedor. Bem, compramos o Lonely Planet eu e mais 350.000 pessoas, sendo bonzinho, que vamos todos atrás do lugarzinho típico - que vai durar mais 2 verões até expandir pras casas do lado e contratar garçons sorridentes, talvez inclusive brasileiros. E aí colocar a plaquinha 'Raciones típicas catalanas/Typical Catalan dishes'. Em castelhano, e inglês.

Por isso ao deixar Barcelona e vir para Zaragoza, de onde escrevo, uma sensação boa toma conta do corpo (mesmo com os 20Kg de mochila de volta às costas). Se faltam edifícios restaurados para se parecerem exatamente com aquilo que desejávamos poder fotografar, aqui espanhóis bebem cerveja domingo à tarde e põem suas crianças pra brincarem de tiro nas praças, e batem boca sobre a responsabilidade pela derrota do Barça ontem. E, apesar de a cidade ser bonita e ter uns belos monumentos dos quais provavelmente falarei em breve (e embora o dono deste CyberCafé e seus amigos provavelmente estejam falando árabe e não um legítimo dialeto hispânico), ainda não tem aqui uma avalanche de turistas pra transformar as igrejas locais em simba safaris onde a população tenta rezar em meio aos flashes. Aliás, muito prazer.

Todas essas reflexões, lógico, não me impediram de me dissolver na massa de americanos, alemães, holandeses, franceses e até espanhóis, e visitar a Sagrada Família (detalhe: o Pedro aí de cima ainda não foi. Explicação: ah, quando vierem meus pais ou turistas aqui eu vou junto. O Gui já teve umas 5 vezes que ir ver a Sagrada Família.) e o Parc Güell e o Montjüic e todos os cartões postais, e ver o Museu Picasso e o Museu Mirò e tudo isso. Mas é aquela sensação de estar vivendo um processo até bem adiantado nas cidades mais in, mais hype, e que, quando estiver terminado, terá destruído tudo de peculiar que existe no mundo e substituído por uma plaquinha 'Typical local dishes'.

Fotos amanhã, que hoje o árabe aqui vai fechar. Não sei quem fala espanhol pior.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Sobre a Espanha

Primeiro, aqui não fica noite no verão até as dez. Por conta disso, não existe horário comercial. Tem gente que abre às 9h30, fecha ao meio dia e abre às duas. Tem gente que abre às 10h30 ou 11, fica aberto até uma e meia ou duas, fecha até as quatro e meia e volta até as oito. Ou seja, o único jeito de saber se uma determinada loja está aberta a uma determinada hora é indo lá antes e perguntando. E sempre tem o risco de ter uma placa escrito 'cerrado', muito embora a placa dos horários indique que o estabelecimento em questão deveria estar aberto.

Segundo, cada lugar é um lugar. Se na Galiza o galego é meio malvisto ainda, na Catalunha é questão de honra e a população realmente se comunica em català, escreve, dá aulas e o caramba. Mas por outro lado em Barcelona você ouve tanto catalão quanto castelhano, inglês, árabe, alemão, holandês e português - de Portugal e do Brasil. A cidade toda é um grande ponto turístico com uns habitantes no meio, e por isso está toda em construção e restauração o tempo todo. Com o Erasmus, tem universitários da Europa toda, fora os internacionais. Não imagino como vai ser este continente em 50 anos, sério. Se é que chegaremos lá, pois 2012 tem sido muito falado como a data final, inclusive com apoios pop na área como Nostradamus. Seria uma honra ser justo na minha vez. Mas, como li outro dia num lugar, se eu me considerasse estatisticamente tão importante jogava na loteria três vezes por semana.

Estou agora morando de favor na casa do Gui, que aparece na foto lá embaixo. Moram com ele uns 5 ou 6, variamos, brasileiros universitários mais, e é outro mundo. Fico por aqui o suficiente pra conhecer um pouco desse universo republicano e depois me procuro um lugar de verdade - como também vou roubando, passar uma temporada na casa de um amigo é a melhor forma de ganhar um ex-amigo. Mas os caras têm sido muito gente-fina.

Próximas paradas: aqui, País Basco, Zaragoza, Tarragona, Girona, e aí encontro o Danilo, que também será personagem aqui, pra irmos pra Sevilha, Toledo e Lisboa. Aí mais um finzinho de mês de Portugal e Espanha e deixamos os ibéricos. Destinos: Amsterdã e A Haia (totalmente por acaso), Berlim, Varsóvia. Isso é o que está certo. Depois Cracóvia, Viena, Praga, Budapeste, Ilhas Croatas, Llubliana (?), e aí provavelmente Sófia e Istambul. Quero terminar com 4 dias em São Petersburgo e 4 em Moscou, de onde pego o avião de volta pro deserto do real (ah, é, sim; não ouviram o diálogo com o Martin aí embaixo?).

Fotos em breve.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Barcelona em 4 planos



O verde, o monumento, a publicidade e o cadáver.

5 Coisas pra não perder na Galiza

1) Verificar que os peregrinos devotos imortalizados em estátuas existem e são inclusive points turísticos em si, atraem gente que vai falar com eles e etc.

2) Conhecer uma família distribuída por 3 dos quatro distritos da região, e que te acolhe como se você fosse um amigo antigo e te mostra todos os sites turísticos. Na foto, Ruth Balbís e eu apertando a voluptuosa escultura de um outro Botero (sério!) e ao fundo a Torre de Hércules, com vestígios até do século II.
3) Notar em ação o Efeito Barcelona, da Espanha nova brotando por dentro da Espanha de Franco, inclusive numa mesa de bar pós-espetáculo de dança. A história começa classicamente: um respeitável sujeito de meia idade senta-se, descobre que tem brasileiros na mesa e começa a contar como le gustan as chicas brasileñas, que ele mora aqui metade do ano e que é famoso entre as chicas por estar sempre com uma ou mais diferentes, e elas até riem dele no bar. Mas a tensão da nova Espanha aparece quando o nosso señor é contestado por (i) uma mulher e (ii) um imigrante negro - o Cássio -, que lhe dizem que isso não é coisa que se diga em público e que estão ofendidos por um lado e enojados por outro; e aí nosso companheiro fica tentando se explicar e dizendo que respeita muito las chicas e inclusive paga pensão pro filho que tem com uma delas. E termina largado na mesa, todos meio com vergonha de continuar falando com aquele cara. Nas fotos, a nova biblioteca de Santiago de Compostela e a restauração da praça María Pita na Coruña.



4) Presenciar a defesa do galego nas paredes, contra uma população urbana não tão entusiasta que te corrige quando você pergunta pela Rúa do Príncipe: 'Queres decir La Calle Príncipe?. Parece que o galego ainda é considerado coisa de caipira.





















5) Só sair de lá depois de ir na praia da borda do mundo, e ir pra Barcelona encontrar um amigo, e então descobrir que o verão começou e o clima é outro. (Aliás, os peregrinos têm o costume de ir até a borda do mundo, Finisterre, e queimar - até por razones practicas - suas roupas de peregrinagem. O hábito é repetido por todos, porém segue o diálogo com um peregrino alemão de 35 anos que conhece o mundo: 'Você vai até Finisterre queimar suas roupas?'; 'Putz, cara, eu já mudei de vida várias vezes e nunca precisei queimar nada pra isso.')


Eu e o Gui após a primeira não-noite de BCN.