sexta-feira, 29 de junho de 2007

Duas capitais ibéricas

Preciso dizer antes que visitamos, eu e o Danilo, Toledo, que em todo lugar é tratada como a jóia da coroa e etc. Meu comentário é que, bem...vá antes de ir a Sevilha, ou, antecipando um pouco as coisas, antes de ir à Andaluzia. Toledo é, realmente, uma das partes mais legais de Madri, mas é isso o que é. Pode ser injusta a comparação, claro; Toledo é uma cidadezinha medieval que não andou se cuidando (o Alcázar, que poderia ser atração principal, está ocupado em se transformar em Museu do Exército) e eu realmente não estive nos castelos. Mas acho que a importância dada à cidade visigótica acaba sendo mais um tributo de uma Espanha cristã ao seu não-muito-deslumbrante passado cristão pra contrabalançar as verdadeiras maravilhas do país, que estão todas na Espanha muçulmana.

Dito isso, Toledo é interessante, uma cidadezinha medieval preservada e tal, vendem espadas e armas medievais na cidade toda. O que me permite fazer um parêntesis que eu esqueci de fazer em A Coruña: nesta última cidade estava rolando uma gigantesca exposição, que está rodando a Espanha e talvez o mundo, fazendo enorme sucesso, de armas e armaduras e materiais, usados no Senhor dos Anéis. O que eu achei curioso, na época, é que, num país onde existem coisas medievais de verdade pra se ver, junta fila pra ver coisas medievais de mentirinha.

Mas é pior que isso. As lojas de Toledo, cidade famosa pela fabricação de armas medievais, estão abarrotadas, em primeiro plano, de espadas dos heróis da trilogia de cinema, compre a espada do elfo e etc. Em volta disso, um monte de cavaleiros medievais, e aqui e ali um Quijote e um Sancho. Não dá pra entender muito, porque se não fosse pela meio bobagem intrínseca da coisa, até do ponto de vista comercial é um erro: valia muito mais a cidade se encher de bugigangas do cavaleiro da triste figura, e criar uma enorme imagem em cima disso, do que ficar pagando royalties pra um gringo qualquer aí. Mas talvez a chave esteja exatamente aí, né?

De Toledo passamos pra Lisboa, cuja maior jóia é a Toledo portuguesa: chama-se Sintra, e é uma cidade onde nos séculos XVIII e XIX morou ou tinha uma residência a aristocracia do país, e que hoje se dedica a mostrar os tesouros antes aristocráticos e exclusivos pra quem se disponha a deixar uns euros lá. Tem lá um castelo chamado Castelo dos Mouros, do século X ou XI que é antes da reconquista Portuguesa, mas em volta vários edifícios já modernos e feitos por gente com muito dinheiro e imaginação. O ponto alto pra mim se chama Quinta da Regaleira, uma fazenda onde um sujeito montou no século XIX um parque de diversões pessoal baseado em estudos místicos e e cabalísticos. Recomendo altamente, e se possível vá ainda criança.

O outro ponto alto de Lisboa também não está na cidade em si, mas em Belém. Quando eu ia pensando que a arquitetura cristã não ia conseguir chegar perto do que os árabes fizeram, o Mosteiro dos Jerônimos mostrou que existe esperança para a civilização judaico-cristã ocidental. Todo em branco e estilo gótico, chega-se a imaginar os monges caminhando por ali na vida de clausura. Ali estão enterrados, lado a lado, Camões e Vasco da Gama. Hoje, além de aceitar turistas, o lugar funciona como centro de eventos.

Quanto a Lisboa-ela-mesma, é divertido estar com os portugueses, ouvir a língua deles e etc. O melhor foi tomar do garçom uma lição sobre quais pratos levam azeite e quais não. Segundo ele, enquanto às postas de bacalhau é essencial adicionar azeite, o bacalhau à braz já leva azeite, e colocar mais seria estragar o prato. Ele é quem entende, claro.




Vale a pena também ir ao Castelo de São Jorge, que é um castelo, enfim, nada de mais, mas oferece umas vistas legais sobre a cidade e tem um aparato chamado Periscópio, segundo os portugueses fruto da mais moderna tecnologia e raríssimo, de onde você pode ter umas vistas legais da cidade.





Quanto a Madri, é uma capital, digamos, normal, exceto pelos três museus a menos de um quilômetro um do outro e que podem te manter uma semana entretido. Passei uma tarde no Prado e outra no Reina Sofía, mas ao Prado preciso voltar (passei as primeiras 3h vendo uns 5% do museu até que me dei conta que nem ia conseguir passar pelos outros lugares nesse ritmo), e ainda tem a Fundação Thyssen. A maioria dos turistas está lá é pela noite, mesmo, mas não dei muita sorte quando saí com eles. Acabamos sendo empurrados de um bar turístico pra outro, com nomes de bares que poderiam estar em qualquer lugar do mundo ('Mona Lisa'), e que custavam progressivamente mais caro - sendo aquele tipo de lugar que parece o máximo na E! Entertainment Television e nos instantes em que todo mundo finge que está o máximo pra câmera, mas nos quais você vê que as pessoas não estão se divertindo tanto assim. Entre um bar e outro, umas fotos de grupo sendo que ninguém nem se conhecia direito. Fiz uns amigos ingleses, pelo menos. No dia seguinte, dei mais sorte indo com umas meninas que tinham morado em Madri pra um lugar chamado Palácio.

No dia seguinte, depois de uma caminhada pelas igrejas e pontos turísticos não-museus (algumas coisas interessantes, nada deslumbrante), ia almoçar com um primo, o Mário Vidigal, que mora em Madri há entre 5 e 10 anos, e o que seria um almoço rápido acabou anulando a tarde. Conforme ele ia contando a história de vida, eu ia ficando com aquela sensação mesma de quando a avó do Danilo, em Barcelona, começou a contar sobre a Guerra Civil Espanhola. O cara fazia São Francisco, largou pra ser colunista de jornal e depois virar promóter, como se diz hoje, quando essa palavra nem existia; depois começou a trabalhar com eventos, veio sem idéia do que fazer até Madri e, muitos e muitos percalços depois, acabou virando guia turístico e passa metade da vida viajando. Próximo destino: China. Daí que a gente vê que há tanta coisa aí pra ser vivida e a maioria das pessoas está ocupada pensando na cor do seu próximo sofá.

Bem, o Mário me contou que estava sendo preparado o Orgulho Gay de Madri pra este domingo, e em seguida eu tive um pouco a sensação do Will Smith no Men in Black, quando ele começa a olhar em volta e reparar que todas aquelas pessoas que até há um segundo pareciam respeitáveis senhores e senhoras são obviamente alienígenas. Uns 20% da população dos bairros turísticos era de gays esperando o domingo, o que significou que todos os albergues e pensiones estavam lotados até esse dia. Decidi pegar um ônibus pra Córdoba, como as meninas que tinham morado na Espanha me disseram que era mais barato. Como tinha o ônibus da uma da manhã, foi esse mesmo.

Duas coisas:

(1) Comprei ingressos pra uma novilhada, isto é, tourada com touros jovens, neste domingo. Me renderam umas boas conversas com gente que é contra e etc. Quero falar um pouco disso mas vamos esperar acontecer. É neste domingo.

(2) É comum o ônibus ser mais barato que o trem. Se você estiver viajando, isso pode ser um bom motivo pra ir de ônibus. Mas tem o seguinte: pegue o trem noturno, ou pegue o ônibus. Ônibus noturno aqui é muuuito ruim, e o motorista acha que você tem obrigação de tolerar o gosto musical dele. É até estranho, porque lembro de viagens noturnas de ônibus no Brasil, pro Sul ou pro Rio de Janeiro, e nenhuma foi tão ruim quanto minhas 5h entre Madri e Córdoba.

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