quarta-feira, 30 de maio de 2007

72h (parte 1/3)




Os poetas e convidados tinham acabado de voltar do almoço de encerramento enquanto eu me molhava por Coimbra e eu os encontrei no saguão do Astoria da cidade, que dizem que foi casa do Rei em alguma época, e o Stephen comprou garrafas de vinho e distribuiu, como ele costumava fazer. E então ficamos tomando e conversando sobre as últimas coisas do encontro porque o Chan, chinês, tinha que ir embora e também o poeta russo. Quando foram os que sobraram, que eram eu, o Stephen, o Jon, o Márcio-André e a Ana Raquel, mais a organizadora e o João e as meninas que a ajudavam, fomos todos comer num restaurante típico qualquer porque os que procuramos e que a organizadora conhecia estavam fechados. Então no fim o Stephen pagou toda a conta e fomos para outro lugar, onde nos sentamos e eles estavam discutindo o que fariam depois e que iriam para o Porto, e foi aí que fiquei sabendo que ia haver uma caravana para o Porto onde o Jon Morley ia fechar seu livro durante duas semanas, e disse que era uma pena que eu já tivesse ido para lá porque iria em seguida pra Galícia e seria uma boa subir pro Porto antes, e além do quê seria até mais barato pegar um avião de Lisboa pra Vigo depois. Mas então o Márcio disse que tinha um ticket e não ia usá-lo porque eles iriam de caravana e que por isso eu podia ficar com ele, e a princípio eu recusei mas depois a idéia foi se cristalizando cada vez mais na minha cabeça, em especial quando o Stephen disse que ia subir até quase a fronteira com a Espanha depois, para assistir à filmagem de uma amiga sua. Pirei na idéia de sair numa road trip com um remanescente da época das verdadeiras road trips, e que além disso mora em Paris, para onde eu vou agora, mas ele pareceu um tanto reticente e eu ainda não sabia o porquê, mas insisti um pouco e então ele disse que não haveria problema, mas que não sabia se havia lugar pra mim no hotel que a amiga dele tinha reservado pra ele, e disse também pra mim, 'But she's mine'.



Descobri logo em seguida que efetivamente havia lugar no carro da Ana Raquel, mas em vez de pedir pra ir junto na hora resolvi perguntar pra Francisca se ela não queria ir. A Francisca era da organização e tinha 19 anos e era de uma beleza renascentista dessas que não se nota logo no primeiro dia mas que vai se impondo aos poucos até que depois de algum tempo você quer simplesmente se ajoelhar quando ela faz alguma brincadeira infantil com as mãos ou canta sozinha. Mas eu ainda não estava sob esse efeito, só que todos os outros parece que sim e ficavam disputando a atenção dela e foi por isso que ela foi designada para levar os poetas pra casa à noite, porque ninguém mais no mundo conseguia concentrar a atenção deles depois de uma certa hora, mas ela parecia nova demais pra entender esse seu poder e ficava tentando fazer a coisa da forma errada e empurrando eles, de forma que caíam e até no outro dia ela e o Jon tinham se ralado inteiros em algum gramado por causa disso. Mas ela sempre dizia que tinha um namorado que morava na mesma aldeola, como ela mesma dizia, de onde ela vinha, e por isso todos os demais ficavam num misto de esperança e frustração que dava à coisa toda uma dinâmica de corte trovadoresca ou, e melhor dizendo, adoração religiosa, e eu apenas ficava olhando enquanto vários poetas disputavam a atenção da Francisca, e o Stephen chamava a ela de Francesca em italiano e ficava fazendo poeminhas com o nome Francesca, até que ela se cansasse e o mandasse parar.



Fomos para mais um bar no caminho do Astoria e foi então que notei que eram quase cinco da manhã e meu trem partia às onze e por isso fui embora e isso sem nem me despedir, o que causou sérios problemas porque eles me procuraram um bom tempo antes de decidir ir assistir ao nascer do sol na ponte e ir diretamente para o Porto.



Acordei no residencial Paris e logo abri a porta e perguntei à Donca que era a dona do lugar que horas eram e ela me disse que eram dez e trinta e cinco, e eu sabia que meu trem partia às onze por isso arrumei tudo o mais rápido que pude, paguei a Donca e fui para a estação bem a tempo de pegar o comboio de Coimbra A para Coimbra B, de onde fui direto para o Porto. Chegando lá acabei conversando uma meia hora com uma brasileira que encontrei por acaso na rodoviária pedindo informação, e ela se chamava Karen e era carioca e conhecia o Márcio-André, e eu peguei o telefone dela e disse que ligaria mas acabei depois não ligando, porque fui comer um prato típico chamado francesinha, depois numa casa de uso de internet e depois liguei para a Ana Raquel, que já estava no Porto e à beira do rio com os poetas. Fui até lá com minhas malas e encontrei todos bebendo alguma coisa sem terem dormido, e lá estava a Francisca que decidiu ir ao Porto mesmo tendo aulas no dia depois que nós a convencemos de que não podia perder a oportunidade.



Falei ao Márcio-André da Karen mas ele não conseguia se lembrar quem era, e então discutimos o que íamos fazer e o Stephen disse que ia no próprio dia à noite para Vidago, que nem constava no meu guia de viagem, e que eu podia ir no dia seguinte, mas eu queria era viajar junto com o Stephen então eu disse que iria naquele mesmo dia com ele. Chegaram as francesinhas deles e as comemos, e eu rachei uma com a Francisca apesar de ter acabado de comer outra porque ela disse que não conseguia comer sozinha, e o Jon pediu outra coisa porque não sabia que a francesinha levava carne, entãao a Ana Raquel comeu a dele, e depois o Jon e a Ana Raquel iam entrevistar o Stephen mas o Márcio-André não falava inglês bem e ficou um pouco entediado, então ele, eu e a Francisca fomos andar pelo Porto, e subimos várias escadas tentando cegar à catedral da Sé, até que terminamos num muro com um portão trancado, e o Márcio queria descer e dar a volta mas a Francisca decidiu que nós iríamos pular o muro e começou a subir nas pedras, e aí eu fui também e o Márcio ficou reclamando que tinha 30 anos e estava com objetos, mas aí logo depois subiu nas pedras e na grade e deu um salto incrível pro outro lado. Subimos mais um pouco e encontramos um arco medieval, e ficamos discutindo sobre quão fantástico era morar ali, logo de frente pra um arco medieval, e tiramos uma foto e fomos até a Sé, mas quando chegamos lá eu tinha esquecido meus óculos e desci correndo para pegá-los e encontrei com a moça que tirou a foto e ela estava indo levá-lo pra mim lá na Sé. Agradeci e quando voltei o Márcio e a Francisca ficaram me enchendo dizendo que a porta da Sé havia acabado de fechar e tínhamos perdido o interior por minha causa, e a Francisca estava preocupada com o horário do seu comboio pra Coimbra e eu disse que não havia problema porque eu sabia o caminho de volta e dava tempo de vermos outras coisas no Porto, e então levei os dois para ver a Estação São Bento e a Avenida dos Aliados onde está a estátua de Dom Pedro, e eles ficaram bastante impressionados com como a cidade é fantástica, e então eu disse que esse era apenas o centro turístico e onde morava uma classe média baixa e até gente pobre, e que os ricos moravam em outro lugar mais moderno porque Porto é o centro financeiro de Portugal e devia haver uma parte mais moderna.Voltamos correndo passando pelo Palácio da Bolsa e o Jon havia pago a conta eles estavam nos esperando para ir embora, e apenas pedi para o garoto que servia junto com a avó tirar umas fotos nossas e partimos. A Ana Raquel e o Stephen e a Francisca estavam com muita pressa, e eu os segui mas o Márcio e o Jon ficaram ou voltaram por algum motivo por isso quando chegamos ao carro estavam todos meio bravos, em especial o Stephen que estava muito nervoso com o horário do ônibus para Vidago.



Saímos correndo e fomos levar a Francisca ao trem, que era antes, e o Jon e Márcio ficaram insistindo para ela ficar mas ela tinha aula naquele dia e não podia de forma nenhuma porque já tinha perdido muitas aulas por causa do Encontro, e isso mesmo sendo que estava no primeiro período que a Ana Raquel tinha dito que não era muito importante. Despedimo-nos todos da Francisca, que tinha me dito que chorava como uma parvinha, foi assim que ela falou, em despedidas, mas que não chorou porque nem teve tempo, e o Stephen já estava nervoso com o horário do seu ônibus, então voamos de volta procurando a rodoviária. Mas a rodoviária ficava numa rua que se chamava Travessa Passos Manuel, e que não existia em nenhum dos mapas, e só eu que já conhecia o Porto sabia que isso queria dizer que ela é uma travessa da Rua Passos Manuel. Fomos até lá e o Stephen foi ficando cada vez mais nervoso, e quando chegamos a uma quadra de onde o mapa indicava a cidade estava toda em obras. Então eu sugeri que eu e o Stephen descêssemos mas a Ana Raquel queria nos levar até o lugar e começou a tentar dar a volta, mas o centro de Porto é cheio de ruas caóticas e com as obras não se chegava de forma nenhuma à rodoviária. Ela teve que aceitar minha sugestão e eu e o Stephen saímos correndo com as malas e o Stephen já tinha me dito que tinha 68 anos mas correu muito e ficava me dizendo, 'Ronaldo, ask these guys, Ronaldo, is it here, Ronaldo, that guy may know' e correndo, e então pegamos várias instruções mas chegamos num beco, e um homem nos disse que tínhamos de pegar o ônibus no Mercado do Bolhão e eu disse isso pro Stephen que ficou putíssimo e saímos correndo de novo, mas quando chegamos lá nos disseram que era mesmo lá onde tínhamos estado que se pegava o autocarro, e o Stephen com raiva, 'Ronaldo, these guys don't know their fuckin' city', e então uma senhora com o filho nos conduziu até o beco de volta e realmente havia uma placa escrito Rodonorte que não tínhamos visto, mas já tinham passado 15 minutos das 8 e o Stephen nem estava mais correndo. Quando chegamos descobrimos que nem mesmo havia um trem das 8, só sextas e domingos, e que o trem então era 9 e 20, e o Stephen ficou puto e aliviado ao mesmo tempo, então perguntei meio sem jeito se ele queria passagem de idoso e ele disse que era senior citizen, compramos as passagens e fomos tomar umas cervejas.



O Stephen estava com a camisa encharcada e foi se lavar um pouco, e ele tinha usado a mesma camisa roxa nos outros dias e só então percebi que nas malas dele não tinha nenhum espaço pra outras camisas, então ele não tinha outras como eu e o Márcio chegamos a cogitar e estava usando aquela realmente todos os dias. Tomamos cerveja e eu contei pra ele da minha situação de advogado e estudante em Paris e tal, mas ele continuava me chamando de Ronaldo e de vez em quando acho que de Arnaldo, e nesse momento não falei mais e decidi que assim que pudesse ia colocar minha camisa do Brasil pra entrar no personagem. Pagamos as cervejas e ele foi telefonar pra amiga dele em Vidago, e no bilhete dizia que era 23 horas que chegava o ônibus, e foi isso o que eu disse pra ele. Mas quando entramos o motorista nos explicou que na verdade era 23 horas em Vila Real, de onde íamos pegar outro ônibus pra Vidago, que chegaria às 23 e 50. O Stephen ficou bem puto porque não entendeu o sistema e eu nem falei nada, e até tentei ver se conseguia usar meu cartão de telefone num celular mas não era possível, e decidimos ligar de Vila Real.



Conversamos no ônibus e dormimos um pouco, e quando chegamos em Vila Real pedi pra telefonarmos e o motorista disse que o outro carro já estava saindo. Saímos do mesmo jeito e o Stephen telefonou enquanto eu fui no banheiro e quando o encontrei ele disse que ninguém tinha atendido mas ele tinha deixado um recado e queria uma cerveja, mas respondi que o motorista parecia apressado e realmente quando chegamos o ônibus já tinha começado a andar, e estava com nossas bagagens então saímos correndo e descobrimos que o motorista tinha tentado nos pegar na frente da rodoviária, mas o Stephen continuava meio puto e disse que estava assim porque não conhecia todas as pessoas que estavam no filme, só uma atriz, e que os outros podiam ficar putos e ela podia nem estar no carro pra nos buscar. Andamos mais um pouco em silêncio até que finalmente chegamos e era quase meia noite mesmo, e havia só umas senhoras esperando num carro e elas nos disseram que haviam acabado de ir embora dois homens esperando alguém, só que a motorista não sabia dizer se estavam nos procurando porque não tinha falado com eles. Ficamos procurando alguém ou um telefone ou algum lugar aberto, e a cidade parecia muito pequena mesmo mas encontramos um telefone e um lugar que estava fechando, e enquanto o Stephen telefonava eu fui saber se alguém tinha nos procurado ou se havia hotel na cidade. O lugar estava fechando e a mulhar que limpava me olhou um pouco desconfiada, mas o dono falou que podia nos vender umas cervejas.



O Stephen por sorte tinha conseguido falar com a sua amiga que se chamava parece que Nora, então ficamos esperando enquanto tomávamos e tocava uma música americana acho que do Coldplay, e o dono ficou por lá esperando os cascos, e comentei com o Stephen que isso devia ser algo muito importante para eles, e ele concordou e disse que era em consignação. No fim eu já tinha terminado a minha cerveja e o Stephen não, porque foi mijar já que não podia entrar no bar, e por isso o dono do bar disse para o Stephen que era pra deixar o casco escondido num canto, mas o Stephen virou a cerveja toda e devolveu, então o cara teve que voltar e deixar o outro casco no balcão. Fomos esperar na frente de uma pracinha e logo o carro chegou, com duas meninas e um cara, e o cara era português e tinha uma casa lá mas morava em Nova Iorque, e também a Nora amiga do Stephen, que era egípcia ou libanesa ou neozelanesa não ficou muito claro, e notei então que o Stephen usava critérios meio wildeanos pra escolher os amigos, e que eu tinha muito que conhecer esse cara em Paris. O Stephen logo me apresentou como Hector, mas eu disse, 'Geraldo', e vi que a outra menina era uma americana também bonita mas em seguida percebi que os dois eram um casal porque seguraram as mãos quando chegamos ao hotel. Os três tinham estado lá antes e tocado a campainha mas ninguém atendia, por isso estavam achando que podíamos ter que ficar num lugar mais caro, e como custava 50 euros o quarto eu disse que podíamos rachar um, mas o Stephen disse que roncava muito e eu não ia agüentar, e eu disse que por mim tudo bem mas resolvemos tentar de novo o hotel onde ele tinha reserva, e que a mulher tinha dito que custava 20 euros o quarto.



Tocamos a campainha umas duas vezes e então atendeu uma mulher, e entramos e o Stephen disse, 'Your job is to get her to sell a bottle of wine, Ronaldo'. Pedi e ela disse que vendia e fomos os cinco tomar vinho, e foi quando descobrimos que o tinto espumante é uma especialidade regional de Trás-os-Montes mas não é muito bom. Ficamos tomando de qualquer forma e tivemos conversas ótimas e o Stephen contou que um amigo dele o definia como The oldest teenager alive e isso o deixava muito orgulhoso, e também sobre a Francesca, que ele tinha ficado provocando o Encontro todo e que não era tão inocente quanto imaginávamos, e eu disse que tinha achado ela bem inocente, mas ele disse que não e contou uma história em que ela dizia, 'Dont't you realize that I, too, can be ironic?', e outra em que ele dizia, 'Your name is one to be whispered on the ear, Francesca, Francesca, Francesca', e ela, 'Stop, you can't say this to me, I'm only eighteen', mas ela tinha feito 19 durante o evento. Então descobri que os três são artistas, o português se chama Gabriel, a namorada dele Katie e todos são filhos de gente meio importante, e inclusive o pai do Gabriel é Presidente do Banco Mundial do Brasil mas ele é um artista, e estavam filmando há quase dois meses na cidade e era um filme em português sobre o aquecimento global no qual Vidago era a última vila do mundo.



A garrafa acabou e os três foram embora, e o Stephen disse, 'Geraldo, if you want we can share another bottle of wine, but even if you don't please get me one', e claro que eu quis e então subimos para o quarto e falamos um pouco sobre o trabalho dele como artista e sobre como ele era professor de literatura aposentado mas dava muitas palestras, e sobre a Francisca e sobre a Nora, e ele disse que não devia ter dito na mesa que era óbvio que eles três eram meninos ricos, e quando a garrafa terminou ele foi para o quarto dele e disse que no dia seguite os três iam nos pegar ao meio dia, então que eu devia estar pronto, e vimos que o café custava 2 e 50 e era só das 8 às 10, e decidimos que não íamos nos preocupar com o café e apenas acordar pra quando eles chegassem ao meio dia.

2 comentários:

GGG disse...

Some possible ways to help an old american-guy-that-lives-in-paris-and-carries-bottle-and-glasses-in-his-pockets mnemonize ya name:

Call me Gerry

John Fitzgerald Kennedy (bigboss)

Gerald Ford (biglooser)

Gerald Stern (poet)

Gerald Massey (poet)

Gerald Noona (poet)

Gerald Locklin (poet)

Gerald R. Barrax (poet)

fuckyaSteveRodesomething (f****** forgetfull poet)

You can ever try other ways, instead.
But whatever you do, NEVER forget to make him laugh about, otherwise you could have to pay future bills...

Ronald...digo, Geraldo pai

Anônimo disse...

PA-LHA-ÇO.