segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Retrospectivas 3: a Turquia


Difícil falar de uma Turquia inteira sem mergulhar na Capadócia, a partir de uns arranhões na costa trácia, de banhos no Egeu e visitas corridas a cidades de impérios sucessivos, que revelam pouco do que andam vendendo empacotado sobre esse lugar. Uma Turquia onde Smyrna e Ephesus são Izmir e Efes, onde Tróia é Truva e Bizâncio e Constantinopla são Istambul.


Mesmo assim, o recado local, nunca diga pra um turco, é claro: você não está mais na Europa. Versos do corão emanam cinco vezes por dia de todas as mesquitas, que dominam a paisagem em qualquer aglomerado permanente. O Bazar, espécie de 25 de março institucionalizada, ocupa o centro de todas as cidades, e civilizadas etiquetas de preço são substituídas por discussões com os comerciantes, em que você, acostumado a ser um consumidor indefeso e hipossuficiente, precisa assumir o papel de mercador.

As mulheres em véus ou xadores inteiros não são turistas. Mulheres sozinhas - ou seja, sem homens, mesmo que num grupo de doze - são tratadas não com desrespeito como querem que acreditemos, mas com uma deferência e prestatividade excessivas; os homens fazem tudo por elas, tratam como rainhas, sem o que seria aquela latina olhada a mais. Na verdade, alguém esses dias foi mais preciso: como deficientes.

O ponto do turco acima, e que dá pra notar também, é que a Turquia se esforça imensamente, desde Ataturk, o Getúlio Vargas local, pra ser uma coisa em que o mundo não acredita muito: uma sociedade laica de maioria muçulmana. Por palavras mais sibilantes, o país se acredita numa gangorra cultural (na verdade, 3% do território ficam na Europa) e tenta transformar o islamismo numa peculiaridade, numa cor local, numa espécie de samba ou fog ou tourada, de que podemos até discordar mas que não atrapalha a liberdade individual, contra o que podemos escrever artigos de jornal e debater calorosamente entre xícaras de chá, sem que o crescimento econômico da nação fique prejudicado por conta dessas idiossincrasias.

Com algum sucesso, até. Istambul é uma das cidades mais bonitas que já vi, e isso exatamente por conta das vigas que gostaríamos de ver bem cobertas de cimento e papel de parede. Izmir dá uma idéia melhor da não-Europa, um cidade grande de porto, um Rio sem Guanabara. Selçuk e Çanakkale são pequenas cidades que deixam claro que estamos em terra estrangeira. Entre umas e outras, os legados de dezenas de civilizações, de Príamo, Alexandre e Constantino, patriarcas bizantinos, ulemás, sultões e califas.

Incluir a Turquia na Europa seria, para os europeus, a idéia arrepiante de fazer fronteira com o Irã. Deixá-la de fora é deixar claros os arrepios da idéia de ter uma fronteira dessas. Hoje, o Sarkozy - sob quem viverei tempos incógnitos - apresenta sua mágica. Uma União Mediterrânea. Fora da Europa.

sábado, 18 de agosto de 2007

Retrospectivas 2: Estônia/Letônia

Estônia e Letônia (e, difícil não incluir no pacote, a não-visitada Lituânia) são países que, digamos assim, precisam de justificativa. Por exemplo, se você falar que vai ficar uma semana na França e outra na Itália, passando dois dias na Suíça, ninguém nunca vai te responder com um Por quê?. Mas, pelo menos no Brasil, a gente precisa de um motivo pra ir pros países bálticos, e isso mesmo pra quem vai desembarcar na Noruega, passar pela Suécia e pela Finlândia e terminar a viagem na Rússia, ou seja, não parece existir razão pra se deter nesses lugares onde não tem nada. Nesse sentido, visitar os bálticos é um pouco que nem uma pessoa de outro continente visitar o Rio, Salvador e Amazônia e passar um fim-de-semana em São Paulo entre um e outro. A pergunta, Você conhece alguém lá?, sai até sem querer.

E claro que o motivo da minha passagem pelo báltico é exatamente o mesmo da passagem da maioria dos estrangeiros em férias pela cidade da qual nos orgulhamos tanto: a casualidade de o avião descer lá.

É que devem existir várias companhias aéreas que fazem Istambul-Moscou, mas a questão toda é que o fenômeno das low cost ainda não chegou nessa rota, e isso sairia fácil uns 400 euros. Então descobri a Air Baltic, que tinha preços de Sky Europe pro maior trajeto de toda a viagem, cortei um dia de Moscou e um de São Petersburgo e resolvi conhecer Riga, Letônia, e Tallinn, Estônia. Uma boa idéia.

O mote Leste Europeu é tão forte nesses países como nas populares República Tcheca, Hungria e Polônia: são povos com unidade cultural mais que milenar e que desde que se lembram foram dominados sem cessar por cada império, mínimo ou imenso, que se formou entre o Reno e os Urais. Assim é que russos, alemães, suecos, e, no caso da não-visitada Lituânia, até os poloneses, também sempre ocupados por terceiros, se alternaram como donos dos territórios dos países bálticos, incluindo privatizações, com vendas ocasionais desses países pra ordens religiosas e ligas de comércio.

Enfim independentes, após a 1ª Guerra Mundial e o fim dos impérios do Leste, não demorou para a União Soviética decidir se estender até o mar e aceitar, de coração aberto, proteger essas pequenas repúblicas indefesas, enviando para a Sibéria ou sumindo com vários bálticos azarados no processo. Na década de 90, com o fim da URSS e do tal socialismo real (às vezes real demais) esses países, aí sim independentes, como bons meninos, em menos de 10 anos aderiram à OTAN e à União Européia. Agora vai.

Então no verão pelo menos, que é quando as pessoas podem sair de casa, tanto Riga quanto Tallinn são invadidas (figurativamente falando) por milhares de turistas, que fortalecem a economia local e trazem divisas, e as cidades ficam tão independentes quanto esses alemães, franceses e americanos permitem. Para a galerinha dos albergues, o padrão de sucesso Leste Europeu continua valendo, ou seja, cidades históricas com castelos e igrejas restaurados parecendo saídos de alguma confeitaria, somados com população eslava (e, sei lá, fino-úgrica) branquinha e preços bem mais em conta que na Europa tradicional dos mochileiros brasileiros, principalmente pra cerveja e vodca (e, aparentemente, prostituição).

Em qualquer lugar tem mapinhas da cidade com pontos turísticos, frases pra dizer na balada e propaganda de lugares pra comer, dançar e comprar cerveja e vodca (e garotas eslavas). A única desvantagem mesmo é que, voltando pra casa sem foto na frente da Torre Eiffel, da Mesquita Azul ou do Kremlin (que não dá pra tirar foto na frente, mas a gente simplifica falando assim), você vai ter que dar uma boa explicação de por que ter passado uns dias na Estônia e na Letônia - e, quem sabe, na Lituânia.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Retrospectivas 1: a Rússia

Curioso um uísque irlandês ter catalisado esta retomada das minhas impressões. No total, 15 países em 80 dias, ou, como é costume nesses casos, 79. E, sendo verdade que até pelas dificuldades com os teclados do oriente os últimos países foram os menos comentados, vou vindo em sentido contrário seguindo a própria trilha até chegar, como João e Maria, de volta nessa cidade mais exótica de todas chamada São Paulo.

Depois de um mês numa Europa cada vez menos oriental, o que se vê nas velozes avenidas e grandes praças da Rússia são os sinais de que sim, você está num BRIC, um país prometido. Guardadores de carro ajudando a manobrar Audis e seguranças de terno deixando entrar apenas as pessoas certas nos GUMs e TSuMs, antigos postos de distribuição comunistas transformados em shoppings reluzentes (não, essa primeira foto na Praça Vermelha não é de um prédio público), nos dão a certeza de que a economia de mercado está mudando a vida desse povo tão reprimido. E embora meu Lonely Planet enfatize não poucas vezes que entrar nesses lugares é uma boa forma de acabar com a imagem dos russos fazendo fila para receber pão e manteiga, fica claro o erro de metodologia - falta o grupo de controle, quer dizer, na Nova Rússia ninguém está distribuindo nem pão nem manteiga. Compreende-se a ausência da fila.

Outra novidade de cruzar esse novo Muro da União Européia é encontrar sem querer um país com uma vida própria, quer dizer, onde os turistas devem integrar-se ao modo russo, e não o contrário. Isso dificulta a vida. Ao contrário do que acontece em Estônia, República Tcheca ou Croácia, não dá pra simplesmente pedir informação em inglês a qualquer transeunte, sem aprender nem o equivalente local de Vi gavarite pa angliski?. Eles não só não falam inglês (incluindo a New Generation que só se veste em inglês) como não fazem esforço nenhum pra te ajudar.

Quer dizer, aqui preciso fazer uma distinção que diz muito sobre quem são os russos e até pode ajudar a lê-los no futuro. Talvez por resquício de outros tempos que daqui procuramos esquecer e fazer com que eles esqueçam, um russo do qual você tente comprar uma mercadoria nunca vai se mover um milímetro além do necessário, e inclusive chegamos a nos perguntar quem, afinal de contas, é o interessado na transação. Não deveria ser o vendedor? - e isso mesmo quando estamos comprando algo que nos interessa muitíssimo, ou seja, esperamos um comportamento no mínimo de amabilidade forçada, numa palavra a helpfulness, definida na wikipedia como “(1) the property of providing useful assistance, and (2) friendliness evidenced by a kindly and helpful disposition [syn: kindliness]”. Algo entre a utilidade e a amizade.

Não o russo. O russo, se o que você procura não é exatamente o que ele vende ou faz, nem mesmo te indica a cabine de informações. ‘Nieto’ é tudo o que você consegue arrancar dele, até desistir e tentar descobrir sozinho o que fazer ficando 15 minutos decifrando placas em cirílico no processo. Contudo, se você conseguir minimamente quebrar essa relação e parecer uma pessoa que precisa de ajuda, e não um turista-consumidor, o russo vai com você até o outro lado da cidade, encontra um intérprete de uma língua comum e inclusive oferece pra pagar alguma coisa se você não tiver dinheiro. Sem perguntar pelo dólar no final.

Foi minha experiência numa última noite apelativa em Moscou, na qual decidi inconseqüente que não só iria ficar acordado até o avião das 7h35 como iria atrás de um bar numa quarta-feira, sem conhecer a cidade.

Recebi consecutivas ajudas dos garçons dos lugares vazios até achar um lugar com gente, dos russos bêbados que me indicaram a insanidade de tentar chegar no aeroporto com qualquer minuto menos das 2h de antecedência (não é exatamente uma democracia de mercado, e se o policial decidir que você tem que responder umas perguntinhas, o você perder o avião não é nenhum problema para ele), do taxista não-taxista (qualquer carro na Rússia é um táxi em potencial, basta estender a mão), de um rapaz bêbado no metrô e das vendedoras dos bilhetes do trem errado, no minuto em que elas acharam que o rapaz bêbado podia causar mais problemas do que ficar me seguindo com a garrafa. Me levaram até o quase-impossível-de-achar trem secundário pro aeroporto, que saía às 4h41 e não às 6h00, hora do primeiro expresso. Bem precário e pinga-pinga, mas cheio de russos de verdade e o suficiente pra me fazer chegar ao aeroporto às 5h50.

E não é que o policial resolveu me fazer umas perguntinhas?

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Itinerários

Fase 1:

- Porto
- Braga
- Coimbra
- Porto
- Vidago
- Chaves
- Verín
- Vigo
- A Coruña
- Barcelona
- Zaragoza
- San Sebastián
- Guernica
- Bilbao
- Barcelona
- Sevilha
- Toledo
- Lisboa
- Belém
- Cintra
- Madrid
- Córdoba
- Granada
- Madrid

Intermission:

- Amsterdã (acho)
- A Haia



Fase 2:

- Praga
- Cracóvia
- Oświęcim
- Bratislava
- Budapeste
- Rijeka
- Pula
- Llubljana
- Viena
- Sofia
- Veliko Tarnovo
- Istambul
- Çanakkale
- Truva
- Izmir
- Selçuk
- Efes
- Pamucak
- Istambul
- Riga
- Tallinn
- Moscou
- São Petersburgo
- Moscou











quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Ia nie gavariu ruski

- Vi gavarite pa angliski?

- Niet.

- Franzoski?

- Niet.

- Niemetzki?

- Tchu-tchu.

- Hm. Oder...

(24 horas e contando. Acho que voltando faço uma retrospectiva em sentido contrário. Agora, o prêmio de povo menos prestativo do mundo vai pros russos, com certeza.)

sábado, 4 de agosto de 2007

Aviso

Eu sei, mas quanto mais escasso o tempo, menos posso fazer pra atualizar. Depois acho que vai ter sessiones de descarrego de fotos e comentários aleatórios, podem deixar. Partindo em 1h pro último destino, a tal da Leningrado, deixo vocês com as tais 3 mil palavras.



quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Letônia

Bom, eu precisava estar em Moscou dia 9, e como de Istanbul até lá são mais de 1.000 Km, achei prudente reservar há um tempo meu vôo na Air Baltic - de forma que localização atual: Riga, Letônia (ou Latvia, como em inglês e em letão). Destino improvável, o que me dá a vantagem de ser celebridade brasileira, como no interior da Turquia.

Belo paisinho por aqui, nada de camadas geológicas de história, que entre Chaves, Portugal, e Efes, Turquia, estava que se eu visse uma ponte romana em São Petersburgo ia acabar me jogando dela.

(em tempo, ante que os novos sábios powered by google intervenham: não ia ter ponte romana em São Petersburgo)

O que vale por aqui é a história recente, mesmo, essa que não fica tão legal como fundo de foto, embora claro que turistas não costumem ter esses pudores e qualquer instrumento de tortura esteja valendo, depois de um certo tempo. Ou seja, hoje é museu da ocupação de Riga e bora pra outra cidade, também felizmente fora do circuito mochileiro. Talinn.